quinta-feira, 3 de maio de 2018

Poesia ao natural




















escoou-se a manhã

do alto da eternidade
o sol riu-se de mim que meço o tempo
fez murchar as horas
e não floriu em mim um só poema

entretanto
mal o sol rompera
desabrolhou uma corola
no vaso da varanda
sub-reptícias mais outra
e outra
e outra

e muito antes da primeira meia-hora
já a flor tinha escrito um poema
inimitável

Anthero Monteiro
(inédito)

De mãos atadas















De mãos atadas             a liberdade
De mãos atadas             meu riso aberto
De mãos atadas             é que se evade
De mãos atadas             meu voo certo

De mãos atadas             rebento a grade
De mãos atadas             encho o deserto
De mãos atadas             não tenho idade
De mãos atadas             tenho o céu perto

De mãos atadas             mas que ironia
De mãos atadas             temores são vãos
De mãos atadas             é a harmonia

De mãos atadas             somos irmãos
De mãos atadas             aleluia

De mãos atadas             nas tuas mãos

Anthero Monteiro,
Canto de Encantos e Desencantos
Porto, Corpos Editora, 2.ª edição










À espera







Foto 
A.M.




Por mais que aguarde
vejo somente
pelo poente
as nuvens a perseguir a tarde
sem que te afoites
a vir com elas
para me dar as boas noites
como me fazem as estrelas

Anthero Monteiro,
Canto de Encantos e Desencantos,
Porto, Corpos Editora, 2.ª edição

Cilada















Anthero Monteiro
(foto Prof. Paulo Pedro)



Andava na vida
coa alma assustada
temendo a investida
dos ladrões da estrada
sempre de fugida
da gente malvada

Andava em segredo
e pela calada
tolhido do medo
de tudo e de nada
de bruxa bruxedo
de gnomo ou de fada

Andava e tremia
a cada passada
esperava de um espia
alguma laçada
e mal me escondia
fechava a portada

Até que uma tarde
sem hora marcada
sem fazeres alarde
e sem seres chamada
num ato covarde
de feia golpada

chegaste e me viste
e eu tirei a espada
coloquei-a em riste
à porta da entrada
mas mal me sorriste
caí na cilada

E assim sem o aviso
de uma tal cartada
fiquei sem juízo
e de alma roubada
a olhar-te o sorriso
que alegra a alvorada

O pavor extinto
a espada quebrada
só sei que não sinto
nem medo nem nada
e diz-me o instinto
que és a minha amada

Anthero Monteiro
Canto de Encantos e Desencantos, Porto, Corpos Editora,  2.ª edição