sábado, 23 de abril de 2011

QUARTAS MAL'DITAS: Medir o tempo ou A Dança das Horas



Sim, é isso: na próxima sessão, iremos medir o tempo, continuando a participar na dança das horas.

As leituras estarão a cargo de:

AMÍLCAR MENDES / ANA ALMEIDA SANTOS / ANTHERO MONTEIRO / ANTÓNIO PINHEIRO / CLÁUDIA PINHO / DIANA DEVEZAS / ISABEL MARCOLINO / LUÍS CARVALHO / MÁRIO VALE LIMA / RAFAEL TORMENTA.

Os interlúdios musicais ficarão ao cuidado do CARLOS ANDRADE (voz e guitarra acústica).

O convidado especial será ÁLVARO PINTO DA SILVA, colecionador e restaurador de obras de arte em relojoaria.

Uma noite de poesia, conversas e música coordenada por ANTHERO MONTEIRO.

Momento livre para espontâneos e outros.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Dúvidas pascais


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- Papai, o que é Páscoa?
- Ora, Páscoa é...bem... é uma festa religiosa!
- Igual Natal?
- É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressurreição.
- Ressurreição?
- É, ressurreição. Marta, vem cá!
- Sim?
- Explica pra esse garoto o que é ressurreição pra eu poder ler o meu jornal.
- Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu?
- Mais ou menos... Mamãe, Jesus era um coelho?
- Que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho! Jesus Cristo é o Filho de Deus Pai! Nem parece que esse menino foi batizado! Jorge, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo menos aos domingos. Até parece que não lhe demos uma educação cristã! Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola? Deus me perdoe!
- Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus?
- É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no catecismo. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
- O Espírito Santo também é Deus?
- É sim.
- E Minas Gerais?
- Sacrilégio!!!
- É por isso que a Ilha da Trindade fica perto do Espírito Santo?
- Não é o Estado do Espírito Santo que compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito. Mas se você perguntar no catecismo a, professora explica tudinho!
- Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?
- Eu sei lá! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.
- Coelho bota ovo?
- Chega! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais!
- Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa?
- Era, era melhor, ou então urubu.
- Papai, Jesus nasceu no dia 25 de dezembro, né? Que dia que ele morreu?
- Isso eu sei: na sexta-feira santa.
- Que dia e que mês?
- ??????? Sabe que eu nunca pensei nisso? Eu só aprendi que ele morreu na sexta-feira santa e ressuscitou três dias depois, no sábado de aleluia.
- Um dia depois.
- Não, três dias.
- Então morreu na quarta-feira.
- Não, morreu na sexta-feira santa .... ou terá sido na quarta-feira de cinzas? Ah, garoto, vê se não me confunde! Morreu na sexta mesmo e ressuscitou no sábado, três dias depois! Como? Pergunte à sua professora de catecismo!
- Papai, por que amarraram um monte de bonecos de pano lá na rua?
- É que hoje é sábado de aleluia, e o pessoal vai fazer a malhação do Judas. Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.
- O Judas traiu Jesus no sábado?
- Claro que não! Se ele morreu na sexta!!!
- Então por que eles não malham o Judas no dia certo?
- É, boa pergunta. Filho.
- Papai, qual era o sobrenome de Jesus?
- Cristo. Jesus Cristo.
- Só?
- Que eu saiba sim, por quê?
- Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?
- Coitada!
- Coitada de quem?
- Da sua professora de catecismo.

Luis Fernando Veríssimo

Cântico azul e branco


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«Vem para aqui» - dizem-me alguns com olhos de carneiro mal morto,
estendendo-me os braços, e seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem p’ra sair do Porto.
Eu olho-os com olhos de desprezo
(há, nos meus olhos, um carvão aceso)
e fico ao chão bem preso,
e nunca vou para ali…

A minha glória é esta:
ficar a olhar a azul imensidade!
Não ir atrás de ninguém!
- Que eu amo o azul até à eternidade
desde o dia em rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou para aí! Só vou p’ra onde
haja azul , muito azul com listas brancas
e se assim com firmeza meu gesto vos responde,
porque me repetis: «vem para aqui»?
Prefiro à Luz a Rua Escura e à Madragoa
o meu Bolhão e à Mouraria de Lisboa
eu prefiro, carago, andar por aí à toa
a ir para aí…

Se vim ao mundo, foi
só p’ra gritar Porto! Porto! até ao infinito,
e voltar a soltar o meu grito
de boca escancarada!…
Tudo o mais que disser não vale nada.

Como, pois, sereis vós
que me fareis promessas, convites e
ameaças,
para me ver mudar as minhas convicções?...
Corre, nas vossas veias, só o sangue mourisco
e vós amais o que não presta!
Eu amo o Azul e Branco,
o Risco,
a Festa,
e o fogo que sai da goela dos Dragões…

Ide! tendes águias já com gripe,
tendes árbitros fidelíssimos,
nunca tendes sumaríssimos
e tendes penálties, Calabotes e largos prolongamentos.
- Eu tenho a minha bandeira azul!
Ergo-a bem alto
e desafio o Sul
e, todo ufano, canto vitória
aos quatro ventos…

O azul e o branco é que me guiam, mais
ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
mas eu, que ganho sempre a minha aposta,
nasci do amor que há entre a vitória
e o Pinto da Costa.

Ah, que ninguém me venha com tão más intenções!
Eu sou apenas dos Dragões!
Ninguém me diga: «Vem para aqui»!
A minha vida é o Porto onde feliz eu sou,
A minha vida é o Porto onde a glória ancorou,
A minha vida é o Porto onde a festa estoirou!
Eu sei bem onde estou,
eu sei bem p’ra onde vou,
sei que não vou para aí!


Anthero Monteiro(inédito)

Uma paródia do «Cântico Negro» de José Régio:
comparar nesta Praça, aqui:

http://pracadapoesia.blogspot.com/2008/12/cntico-negro.html

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Páscoa





depois do beijo de judas
e depois da humilhação e morte no cimo do calvário
e depos da revolta dos céus para onde apontava a cruz
com os trovões solidários com o estrebuchar da terra
onde o madeiro se firmava
e depois da pedra rolada do túmulo de nicodemus
o ressuscitado aparecia em nossas casas
muito antes do terceiro dia
inexplicavelmente ainda pregado numa cruz

o séquito fazia-se anunciar ao badalar de uma campainha
que tinha o condão de fazer fervilhar toda a rua
e trazer para as portas a excitação da petizada
e daqueles a quem a fé transformava em meninos

manhã cedo já minha mãe cortara algumas folhas
de hidrângeas e de japoneira
pois a senha de entrada em cada casa
eram os verdes dispersos à porta dos crentes
receptivos à bênção do miraculado

a mesa da sala ordinariamente à míngua
ressuscitava também nesse dia
para ser farta como nunca
e oferecer-se à gula dos olhos
ajoujada de amêndoas confeitos e outras guloseimas

toda a amargura dos dias se revestia então
de uma capa espessa de açúcar
sublinhada depois nas bocas por um travo de porto

fazia-se uma roda em volta da mesa
e aos circunstantes era dado o ensejo
de irem sarando com beijos o sítio do cravo
que trespassara os pés do ressuscitado

minha mãe desencantava uma pequena moeda
para saciar a boca do bornal que trazia consigo
o fatal sucessor de judas que há em cada paróquia
e logo em seguida toda a comitiva do compasso
debandava em roldão pelas escadas abaixo
enquanto a campainha anunciava à vizinhança
que o ritual se iria repetir na casa seguinte

como era bom acreditar sem nada questionar
os olhos outra vez surpresos por tudo se repetir cada ano
a traição a negação de Pedro a debandada dos apóstolos
o sacrifício a longa narrativa da paixão
a via sacra com uma estação a mais
no dizer do faceto senhor fonseca
(décima quinta estação: verónica casa com o cireneu)
a inevitável ressurreição apenas concedida aos deuses
a visita pascal com o abade e os homens do cortejo
de rostos rubicundos e de passos cada vez mais titubeantes
a final reunião dos crentes no templo a rebentar
de aleluias arremessadas ao alto das naves
enquanto lá fora os andorinhões
tão crentes quanto os demais
juntavam o seu alarido
à celebração da sonhada vitória
de todos os mortais sobre a morte implacável

Anthero Monteiro, Sete Vezes Sete Nuvens, Porto, Corpos Editora, 2011

quarta-feira, 13 de abril de 2011

ABRIL POEMAS MIL na Onda Poética

Amanhã, quinta-feira, 14/4, mais uma sessão da Onda Poética na Junta de Freguesia de Espinho, Rua 23. Tema Livre. Presença do Grupo de Baladas Nostalgia. Vem fazer-nos companhia. Divulga, por favor.

domingo, 3 de abril de 2011

Quartas Mal´Ditas de Abril: Tema Livre

Quarta-feira, dia 6/4, tema livre na sessão das Quartas Mal'Ditas, no Clube Literário do Porto, às 22 horas. - Momento para espontâneos interessados em participar. -- Leituras por: Amílcar Mendes / Ana Almeida Santos / Anthero Monteiro / António Pinheiro / Cláudia Pinho / Diana Devezas / Luís Carvalho / Mário Vale Lima / Rafael Tormenta -- - Voz e guitarra acústica: Carlos Andrade - Coordenação: Anthero Monteiro - Divulgue / Compareça / Participe

sábado, 2 de abril de 2011

Trem de ferro












Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)

Manuel Bandeira

Foto in
www.ofunil.blogspot.com

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A partida

Ponte ferroviária do Choupal em Coimbra. In http://www.skyscrapercity.com/ - - -

No silêncio da noite repousada
O silvo do comboio dá sinal
Da partida por tantos desejada.
...............................
Vou passando na ponte do Choupal
................................
E afinal os que vão são bem ditosos:
Outras terras e outras impressões
Enamoram seus olhos descuidosos
Com o brilho de novas ilusões.
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Triste, sim, de quem fica, num momento
Quantos sonhos nos fogem, venturosos!
Cada hora que passa é um tormento...

Domitília de Carvalho
, Versos,

Coimbra, F. França Amado Editor, 1909


N. em 1871 em Travanca de Santa Maria da Feira. Foi a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra, onde se formou com altas classificações em Filosofia, Matemática e Medicina. Exerceu clínica em Lisboa e dirigiu o primeiro liceu feminino, D. Maria Pia. Foi deputada à Assembleia Nacional. Morreu em 1966.Publicou vários livros, entre os quais, em poesia, Versos, Coimbra Terra de Amores e Para o Alto