domingo, 13 de março de 2011

A bênção da locomotiva







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A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.

Como ela é com certeza o fruto de Caim,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.

Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!

Vamos, esconjurai-lhe o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d’Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.

Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.

Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.

Guerra Junqueiro,
A Velhice do Padre Eterno, Porto, Lello & Irmão Editores, 1967 [1886]