é
um pesadelo, quando não
é já possível afastá-lo
da memória
embora eu nunca mais tenha ido
ver um filme
com Ava Gardner
depois de uma vez
ter visto como o tecido
se abre
para deixar ver um dedo do pé.
Há coisas piores que os dedos dos pés, eu
sei
mas não há nada que
se possa comparar ao
dedo de Ava Gardner.
-se uma cortina e eu
penetro no
sonho louco
de seda da China, plissé, tule
e sandálias
leves arremessadas
para o lado. Ela está descalça!
Mas para onde vai o calor
quando se dissipa?
Que significam os dedos abertos sobre
uma coxa? Quem sofreu o
trágico
acidente, quando ele quis entrar
pela primeira vez e não encontrou a chave que
costumava estar sempre debaixo do tapete, e
quem é aquele que agora jaz
meio nu no corredor
sem sangrar?
Quando saí de vez do cinema
ainda um dedo do pé
mexia.
A memória é um dos lados
o outro, nunca lá chegaremos.
Rolf Dieter Brinkmann,
O Bosque Sagrado, Porto, Gota de Água, 1986