segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Carpe diem

domingo, 29 de novembro de 2009

"Périplo": último livro de Edgar Carneiro


Anthero Monteiro
e Edgar Carneiro
na última Onda Poéica
em Espinho
(Foto Anaas)




Edgar Carneiro, nos seus lúcidos 96 anos, vai lançar, no próximo dia 3 de Dezembro,
quinta-feira, às 15 horas, na Junta de Freguesia de Espinho, o seu último livro de poesia, intitulado
Périplo.
A iniciativa terá o apoio logístico da Universidade Sénior local.
O livro será apresentado pelo autor deste blogue, Anthero Monteiro.


Leia sobre Edgar Carneiro: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Carneiro

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Meto-me para dentro...






Foto in
cigarranapaisagem.
blogspot.com






Meto-me para dentro e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites,
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.


Alberto Caeiro, in Gastão Cruz (selecção), Ao Longe os Barcos de Flores -
Poesia Portuguesa do Século XX, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pequeno poema sobre o fim do mundo




Foto
Anthero
Monteiro








Quando chegar o fim do mundo,

A abelha estará sobrevoando a espora-de-galo,
O pescador estará consultando a rede brilhante,
Os delfins estarão saltando alegres no mar,
Os pardais estarão a reunir-se sobre o telhado,
A pele da cobra brilhará como sempre.

Quando chegar o fim do mundo,
As mulheres irão para debaixo dos guarda-sóis,
O bêbado adormecerá em algum lugar sobre a relva,
Os verdureiros farão suas vendas gritando,
O barco de vela amarela chegará à ilha,
As violas soarão no ar,
Abrindo a noite estrelada.

Quem esperar raios e trovões
Vai decepcionar-se;
Quem aguardar um sinal e trombetas de anjos,
Nem acreditará que o fim já chegou.

Enquanto o sol e a lua brilharem lá em cima,
Enquanto o insecto visitar a rosa,
Enquanto crianças coradas ainda se alegrarem,
Ninguém acreditará que o fim já chegou.

Até que o velhote grisalho, que poderia ser profeta,
Mas não é profeta, porque o seu trabalho é outro,
Dirá ao amarrar tomates:
Nem haverá um outro fim do mundo.

Czeslaw Milosz


Poeta e ensaísta polaco, nascido em Kédainiai, na Lituânia, em 1911.
Foi Prémio Nobel da Literatura em 1980.
Faleceu em Cracóvia em 2004.

Não é tarde




Foto by
Anaas






O amor é como o fogo, não se propaga
onde o ar escasseia. Mas não te preocupes,
eu fecho mais a porta.
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Gestos e paveias, acendalhas, o isqueiro
funciona! Poderoso combustível
é o corpo. Acende deste lado.
---------
Ainda não é tarde, foi agora anunciado
pela rádio, são dezoito e vinte cinco.
Respira-nos, repara, a ilusão
---------
de que a vida não se esgota, como os saldos
de verão. E a morte, à medida que te despes,
vai perdendo o nosso número de telefone.

José Miguel Silva, Ulisses já não mora aqui, &etc.

Encontro



















Jonathan,
se resolvermos que o céu
é este lugar onde ninguém nos ouve,
quem poderá salvar-nos?
Quanto tempo resistiríamos
sem falar a ninguém deste acontecimento?
Acompanhei com os dedos
o desenho miraculoso do teu lábio,
contornei-lhe as gengivas, bati-lhe no dente escuro
como um cavalo,
um cavalo meu na campina.
Pedi-lhe: faz com tua unha um risco
na minha cara,
o amor da morte instigando-nos
com nunca vista coragem.
Vamos morrer juntos
antes que o corpo alardeie
sua mísera condição.

Agora, Jonathan
neste lugar tão ermo,
neste lugar perfeito.

Adélia Prado, A Faca no Peito, 1988

Escritora brasileira, nascida em 1935 em Divinópolis
- Minas Gerais: «Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis.» (Carlos Drummond de Andrade).

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Carpe Diem




Rafael
Sânzio de

Azevedo






Daqui a alguns anos,
todas as novidades serão velhas.

E ainda mais tarde, quando os calendários
marcarem outro século,
e quando esse outro século for velho,
lápides testemunharão nossa passagem,
efémera passagem pelo mundo.

É incrível admitir que este momento,
este instante de agora,
novo, actual, moderno,
será passado um dia...

os últimos modelos de automóvel
(que já hoje raros chamam de automóvel)
e os mais modernos aviões
(que um dia se chamaram aeroplanos),
tudo será futuramente
atracção de museu...

Colhamos (doce ou amargo) o momento presente
antes que ele se torne antigamente...


Rafael Sânzio de Azevedo

Historiador da literatura cearense, crítico, poeta, contista, ficcionista.

Bacanal


Bachus,
Diego
Velásquez,
oil on
canvas,
Museu
do Prado







Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco...
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos...
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além de versos e mulheres?...
—Vinhos!.., o vinho que é o meu fraco!...
Evoé Baco!

O alfanje rútilo da lua,
Por decolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!...
Por que eu estático desfira
Em seu louvor versos obscenos.
Evoé Vênus!

Manuel Bandeira

domingo, 22 de novembro de 2009

Canto báquico (In taberna)



Quando estamos na taberna
nem do mundo nós cuidamos:
só o jogo nos int'ressa,
só nele nos empenhamos.
E o copo é de quem o peça
se com dinheiro o pagamos:
assim faças o pedido,
de certeza que és ouvido.

Há quem jogue, há quem beba,
quem decência tenha pouca;
e quem do jogo regresse
às vezes sem trazer roupa;
outros ganham novas vestes;
outros somente uma trouxa...
Ninguém teme aqui a morte,
mas a Baco pedem sorte.

Bebe-se o copo primeiro
àquele que paga o vinho;
e mais dois aos prisioneiros;
três, depois, aos que estão vivos;
quatro, às freiras levianas;
a seus cavaleiros, cinco;
seis, aos cristãos todos juntos;
e sete, aos fiéis defuntos;

oito, aos frades indecentes;
mais nove, aos monges vagantes;
dez, aos vários pretendentes;
onze, pelos navegantes;
doze, enfim, aos penitentes;
e treze, pelos restantes...
Pelo Papa e pelo rei
sem medida beberei.

Bebe o dono deste prédio,
bebe a dona da taberna;
bebe o laico, bebe o clérigo;
bebe aquele, bebe aquela;
bebe o lento, bebe o lesto;
bebe o moço, bebe a velha;
bebe o firme, bebe o vago;
bebe o rude, bebe o mago.

Bebe o pobre e o enfermo;
bebe o triste e o desterrado;
bebe o louro e o moreno;
bebe o patrão e o criado;
bebem grandes e pequenos;
bebe o deão e o prelado.
E por isto e por aquilo,
bebem cem e bebem mil.

Anónimo goliardo, Carmina Burana, potatoria,
Trad. de David Mourão-Ferreira,
«Vozes da Poesia Europeia - II», in
Colóquio Letras n.º 164

Lançamento/Concerto "A Música de Junqueiro"



Imagens do espectáculo de lançamento de A Música de Junqueiro - livro e cd duplo, sob coordenação do Dr. Henrique Manuel S. Pereira, realizado no passado dia 17, na Universidade Católica, e no qual tiveram o prazer de participar, não apenas o autor deste blogue, mas também os elementos das Quartas Mal Ditas, Luís Carvalho e Diana Devezas, que aqui figuram entre outros dos muitos participantes neste memorável evento.

Um abraço de parabéns para o amigo Henrique Manuel S. Pereira, extensivo, claro, a toda a enorme equipa que conseguiu reunir neste inestimável projecto.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Cada dia sem gozo...

Foto do espectáculo
da última 6.ª feira, dia
13/11, no
Pavi-
lhão Multiusos

de Montalegre, um deslum-
brante hino

à alegria

(Foto A.M.)



Cada dia sem gozo não foi teu:

Foi só durares nele. Quanto vivas

Sem que o gozes, não vives.

Não pesa que ames, bebas ou sorrias:

Basta o reflexo do sol ido na água

De um charco, se te é grato.

Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas

Seu prazer posto, nenhum dia nega

A natural ventura!

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Ricardo Reis, «Outras Odes» in

Fernando Pessoa, Poesia dos Outros Eus,

Rio de Mouro, Círcuolo de Leitores, 2007

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Instantes










Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito.
Relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido.
Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria até menos higiénico.
Correria mais riscos, viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos sopa.
Teria mais problemas reais
e menos problemas imaginários.
Eu fui uma destas pessoas que viveu sensata
e produtivamente cada minuto de sua vida.
Claro que tive momentos de alegria
mas, se pudesse voltar a viver
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feito a vida,
só de momentos. Não percam o agora.
Eu era um desses
que nunca ia a parte alguma sem um termómetro,
uma bolsa de água quente,
um guarda-chuva,
um pára-quedas.
Se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver,
começaria a andar descalço no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram,
tenho oitenta e cinco anos,
e sei que estou morrendo...

Nadine Stair

Este poema circulou vários anos atribuído a Jorge Luís Borges, embora não se encontre na sua obra completa. Descobriu-se depois que, afinal, foi escrito por uma escritora norte-americana, mais ou menos desconhecida, chamada Nadine Stair, que o publicou em 1978, oito anos antes da morte, em Genebra,com 86 anos, do célebre escritor invisual argentino.
O poema foi publicado por uma revista argentina atribuído a Jorge Luís Borges, mas a viúva do poeta, Maria Kodama, obrigou-a a rectificar o erro, ainda que só 8 anos depois, após investigações. Kodama acha que o poema não tem valor literário e desvirtua a mensagem da obra de Borges, pois tenta transmitir um sentido da vida completamente materialista, sem nenhuma busca de perfeição espiritual ou inquietação intelectual.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O cisne assado (The roast swan)











Num lago fiz moradia
quando era cisne um dia
e era belo e aperaltado.
Mas ai de mim! ai de mim!
que agora estou assim
negro e totalmente assado.

O assador gira gira
e eu pronto a sair da pira
vai-me servir o criado.
E ai de mim! ai de mim!
que agora estou assim
negro e totalmente assado.

Repouso num prato agora
já não voo como outrora
rangem dentes, estou tramado.
E ai de mim! ai de mim!
que agora estou assim
negro e totalmente assado.

De «In taberna», in Carmina Burana,
tradução livre de Anthero Monteiro

Carmina Burana: colecção de canções e poemas medievais, da autoria de monges e eruditos viajantes, encontrados num rolo de pergaminho da Biblioteca da antiga Abadia de Benediktbeuern, na Alta Baviera. A colecção foi editada com este título em 1847 por Johann Andreas Schmeller e seria posteriormente utilizada para o libreto da cantata homónima (1935/36) do músico alemão Carl Orff.
Os poemas estão imbuídos
da antiga concepção de que a vida humana está sujeita aos caprichos da roda-da-fortuna e, portanto, à mercê da eterna lei da mutabilidade.
Daí que o espírito de "carpe diem" perpasse também pelos textos da colectânea, no sentido de que se impõe aproveitar os bons momentos favoráveis da Sorte, antes que venham aqueles que nos são menos propícios.