quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Lira XIII






















Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos deuses
Sujeitos ao poder do ímpio fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
Já foi pastor de gado.

A devorante mão da negra morte
Acaba de roubar o bem que temos;
Até na triste campa não podemos
Zombar do braço da inconstante sorte.
Qual fica no sepulcro,
Que seus avós ergueram, descansado;
Qual no campo, e lhe arranca os frios ossos
Ferro de torto arado.

Ah! Enquanto os deuses impiedosos
Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim, façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.

Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos do feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre:
E para nós o tempo que se passa
Também Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta,
E se entorpece o corpo já cansado;
Triste o velho cordeiro está deitado.
E o leve filho sempre alegre salta,
A mesma formosura
É dote, que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.

Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias:
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças,
E ao semblante a graça.

Tomás António Gonzaga, Marília de Dirceu,
in José Pereira Tavares (org.), Poetas do Amor,
Porto, Livraria Chardron, 1928


N. a 11 de Agosto de 1744, no Porto, na freguesia de Miragaia, em prédio devidamente assinalado em frente à Alfândega. Usou o nome arcádico de Dirceu e daí o título da sua obra — Marília de Dirceu —, dedicada à sua amada. Foi jurista, poeta e activista político luso-brasileiro. Órfão de mãe muito cedo, mudou-se para o Brasil, onde estudou no colégio dos Jesuítas. Regressou a Portugal, onde se torna bacharel em leis em Coimbra.
Mais tarde, de novo no Brasil, participa na primeira conjura mineira pela independência do Brasil, o que o levou à prisão na Fortaleza da Ilha das Cobras, pena comutada em degredo para Moçambique. Separado da sua pastora, Maria Doroteia, a tal Marília, com quem nem sequer conseguira casar, devido à oposição da família da noiva, desposou a filha de um abastado comerciante de escravos, em casa do qual se hospedara. Exerce ainda vários cargos públicos, acaba por morrer só em 1810, acometido de estranha doença.