quarta-feira, 31 de julho de 2013

é urgente a alegria

















estou francamente preocupado
tenho procurado a alegria por toda a parte
e acho que ela se escapuliu como um pássaro

já vasculhei todos os meus bolsos nas  cruzetas
do guarda-fatos à procura de algum resquício
e só encontrei cotão e pó de rennies

dorinha gabriel e ana luzia
prometeram boicotar as minhas obras
se não se apresentarem vestidas de sol e de domingo

rafaela exigiu-me que eu mate a morte
uma vez por todas nunca mais a convide
a entrar na casa do poema

alberto já me chama ultrarromântico
só porque deixei um cipreste meio a soluçar
no último verso de uma estância

por seu lado um arguto jornalista
incluiu o meu nome nas fileiras do neorrealismo
só porque me entristeci com a sorte de um fato-macaco

elisabete ofereceu-me um dicionário
de onde retirou à tesourada dezenas de entradas
sinónimas de desespero  suicídio  amargura ou noite

um conterrâneo afirmou que só comprava os meus livros
por uma questão de bairrismo por eu ser o único poeta
da sua terra entre cinco  mil  habitantes

tenho que ir aos saldos comprar uns litros de alegria
quanto me custarão umas valentes gargalhadas
será que à dúzia são mais baratas

meus deuses como está caro viver feliz com o iva a 23%
e não será que vou perder a alegria logo de seguida
só com pensar que tenho de pedir a fatura

será que consigo criar o sorriso a partir do nada
talvez seja essa a solução vou começar a treinar
o sorriso porque ele é o reflexo da alma

é capaz de ser possível com um reflexo inventar a realidade 
os músculos do sorriso andam demasiado presos
mas tem que ser vou começar hoje mesmo está decidido

Anthero Monteiro 
(inédito)


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Tempestade e bonança














lili serve-me o chá e um sorriso
capaz de aquietar tormentas e tormentos

lá fora transidas contorcem-se as árvores
sob o azorrague do vento

lili passa diáfana pelo meio das mesas
continua a distribuir torradas e mais sorrisos

na moldura da janela a pressa empurra os automóveis
mais veloz ainda é a ventania varrendo as ruas

com o troco lili traz-me outro sorriso
multiplica- se refulgindo nos espelhos

nas nuvens há tambores inaugurando o inverno
cá dentro sorriem promessas de eterna primavera

Anthero Monteiro
Café Lausanne, 26 de Outubro 2011

quinta-feira, 25 de julho de 2013

façam o favor de esperar













Foto
Anaas






oh que chatice avariou-se a fechadura 
da porta e nenhum de nós pode sair à rua 
tenham paciência agora não posso estar com isso
tenho umas linhas para escrever 
que o pássaro me dita ao ouvido
e enquanto não se espavorece e desarvora

perdeste a chave o porta-moedas o telemóvel
vou ajudar-te mais tarde também eu estou
preocupado com uma palavra que não encontro
em que bolso da memória a terei metido
e tanto preciso dela para concluir um verso
se ao menos houvesse por aí um sinónimo adequado

não me distraiam por favor com coisas de somenos
podem cumprimentar-me amanhã dar-me um beijo
trocar impressões sobre tudo e sobre nada mas agora
quero sentar-me naquela nuvem perto dos deuses
e pedir conivência ao lápis à esferográfica
ao computador para erigir esta escadaria

o meu clube está empatado precisa que estique um pé
em frente à tv para o golo entrar o ministro das finanças
ensandeceu os impostos estão a trepar pelo feijoeiro
que dá para a lua a bolsa está em derrocada o fmi trocou
as letras agora é o fim desta macacada toda paciência
agora estou em transe agora estou em trânsito para a glória

agora esta estranha arquitetura talvez se chame poema


Anthero Monteiro