domingo, 22 de novembro de 2009

Canto báquico (In taberna)



Quando estamos na taberna
nem do mundo nós cuidamos:
só o jogo nos int'ressa,
só nele nos empenhamos.
E o copo é de quem o peça
se com dinheiro o pagamos:
assim faças o pedido,
de certeza que és ouvido.

Há quem jogue, há quem beba,
quem decência tenha pouca;
e quem do jogo regresse
às vezes sem trazer roupa;
outros ganham novas vestes;
outros somente uma trouxa...
Ninguém teme aqui a morte,
mas a Baco pedem sorte.

Bebe-se o copo primeiro
àquele que paga o vinho;
e mais dois aos prisioneiros;
três, depois, aos que estão vivos;
quatro, às freiras levianas;
a seus cavaleiros, cinco;
seis, aos cristãos todos juntos;
e sete, aos fiéis defuntos;

oito, aos frades indecentes;
mais nove, aos monges vagantes;
dez, aos vários pretendentes;
onze, pelos navegantes;
doze, enfim, aos penitentes;
e treze, pelos restantes...
Pelo Papa e pelo rei
sem medida beberei.

Bebe o dono deste prédio,
bebe a dona da taberna;
bebe o laico, bebe o clérigo;
bebe aquele, bebe aquela;
bebe o lento, bebe o lesto;
bebe o moço, bebe a velha;
bebe o firme, bebe o vago;
bebe o rude, bebe o mago.

Bebe o pobre e o enfermo;
bebe o triste e o desterrado;
bebe o louro e o moreno;
bebe o patrão e o criado;
bebem grandes e pequenos;
bebe o deão e o prelado.
E por isto e por aquilo,
bebem cem e bebem mil.

Anónimo goliardo, Carmina Burana, potatoria,
Trad. de David Mourão-Ferreira,
«Vozes da Poesia Europeia - II», in
Colóquio Letras n.º 164