domingo, 2 de fevereiro de 2014

A Lia que lia lia




Capa do livro 
em que se insere 
o poema seguinte 
que lhe serviu 
de título




Minha boa amiga Lia
muito lia  muito lia
Lia de noite e de dia
lia lia lia lia

Lia tudo o que queria
Zoologia Geologia
lia até Psicologia
livros de Filosofia
mapas de Geografia
temas de Pedagogia
problemas de Economia
tratados de Biologia
volumes de Biografia
coisas da Tecnologia
e tanta bibliografia
que já ninguém avalia
quantas páginas a Lia
tinha lido ao fim do dia

Minha boa amiga Lia
muito lia muito lia
lia de noite e de dia
lia lia lia lia

De manhãzinha ela lia
só parava ao meio-dia
sopa de letras comia
mas quase nem engolia

À tarde nem se mexia
lia tudo o que podia
lia tudo por mania
tudo o que na estante havia
na biblioteca existia
ou então na livraria

À noite pouco dormia
lia à luz da almotolia
e sempre que adormecia
sonhava que lia lia
lia relia treslia
sempre sem uma arrelia
sempre a sorrir de alegria
sem sentir monotonia
ou sofrer de miopia
ou de qualquer alergia

Minha boa amiga Lia
muito lia muito lia
lia de noite e de dia
lia lia lia lia

A mãe lavava e cosia
espanejava e varria
e ela lia lia lia

O pai gastava a maquia
ia ao casino e perdia
e ela lia lia lia

A irmã pouco fazia
pois tinha paralisia
e ela lia lia lia

O irmão era só folia
só folguedo e romaria
e ela lia lia lia

A avó coitada dormia
esperando a morte fria
e ela lia lia lia

O avô que quase não via
em vão chamava pla Lia
e ela lia lia lia

O primo só televia
todos os canais que havia
e ela lia lia lia

E enquanto a prima Maria
ia prà Cova da Iria
ela lia lia lia

O tio era uma apatia
era uma vida vazia
e ela lia lia lia

 Melhor do que ele era a tia
mas morreu com anemia
e ela lia lia lia

E enquanto eu escrevia
esta longa poesia
a Lia toda crescia
em grande sabedoria
porque lia lia lia
lia lia lia lia

Ler como ela ninguém lia
ler como ela só a Lia

Anthero Monteiro
“A Lia Que Lia Lia”, 2.ª edição, Corpos Editora, Porto, 2010