sexta-feira, 12 de março de 2021

O relojoeiro

 














Álvaro & Anthero
nas Quartas Mal Ditas do
Clube Literário do Porto (2008)
Foto Anthero Monteiro

(para Álvaro Pinto da Silva)

quando visito o meu amigo álvaro
ele vem abrir-me a porta e um sorriso
retira a lupa que traz assestada num dos olhos
para ver as tripas dos maquinismos
e guia-me através do seu privativo
labirinto do tempo

ali surgem em profusão e confusão
carrilhões colunas torres e pedestais
quadrantes coroas pontes e básculas
pêndulos e pesos aros e rodas e engrenagens
ponteiros e molas e cabelos metálicos
chaves de corda e parafusos minúsculos
cronómetros engenhos relógios
de muitas idades estilos e formatos

não não é dono do tempo mas todas aquelas
vitrinas e armários e gavetas cheias
de preciosas velharias e novidades
são propriedade sua

somos amigos desde velhos tempos
e eu um quase centenário admirador
do seu génio inventivo ele um cirurgião
tantas vezes convocado para acorrer
às taquicardias e bradicardias
das engrenagens das mais altas torres
que comandam momento a momento
a vida das grandes cidades

e é um grande privilégio passar
meia hora ali no reino de cronos
e do meu amigo álvaro
que mesmo não sendo dono do tempo
dá-me sempre sem eu lhe pedir
uns largos minutos grátis de atenção

Anthero Monteiro
(2008)