domingo, 27 de dezembro de 2009

Cântico fraterno






Pablo Picasso,

Amistad







Chamo por ti.

Chamo por ti, com versos fraternais.

Nunca te vi,

Mas nascemos os dois dos mesmos pais.


Chamo em nome da vida, que me ordena

Que te diga a verdade;

É o meu lenço que acena,

Mas o cais é de toda a humanidade.


Deixa as sombras e vem!

És homem como eu sou, hás-de gostar

De pisar com desdém

A herança que não podes renovar.


O passado é o passado – já morreu.

Grande é o futuro, por nascer.

Nenhum fruto maduro prometeu

O que a semente pode prometer.


Do que foi embebedas a lembrança,

Do que há-de ser, estremeces!

Vindo, voltas a ser criança;

Mas aí, apodreces.


Chamo por ti de manso,

Numa ordeira canção;

É uma ponte de sonho que te lanço…

Passa por ela, irmão!


Miguel Torga, Nihil Sibi