quarta-feira, 26 de maio de 2010

Aniversário




Foto A.M.










às vezes o vento como um mau agoiro
põe-se a ganir feito cão faminto
depois varre as nuvens como folhas secas
e amontoa tudo o que é negrume à tua porta
todas as asas mesmo as das gaivotas mais afoitas
voam para longe e as dos sonhos rentam os detritos

é aí que amaldiçoas o dia em que nasceste
e pedes aos deuses que moura e pereça
é aí que uma ponte é ponte apenas
para o outro lado do espelho daquele rio
que só parece ter foz sem nunca ter nascente

é aí que os comboios são também o bilhete
para a derradeira estação de uma viagem
que os automóveis só têm acelerador
que os arranha-céus são para descer
à velocidade de um meteoro

vai ser preciso esperar que o vento serene
e mude de rumo que regressem as gaivotas planando
que os rios só tenham pontes na horizontal
que os comboios sejam partida para nova aventura
que funcionem todos os pedais dos automóveis
que em todas as grandes alturas nidifiquem os sonhos

vai ser preciso que repares bem em tudo
o que desponta à tua volta só porque tu nasceste
aquela flor humilde que abriu no cimento só para te ver
os sorrisos que espalhas nos rostos
dos outros desgraçados quando consegues sorrir
os horizontes que se desatam quando atravessas a rua

nasceste para ser muito mais do que tu
o braço que segura alguém ainda mais desesperado
a mão da solicitude o olhar que ajuda a ver para além
os teus cabelos de devaneio que nos devolvem a imaginação
o seio que alimenta o indispensável engano nosso de cada dia

nasceste para acender inquietações mas o que é a inquietação
se não a luz que vai à frente a rasgar os caminhos
nasceste para semear na minha alma um jardim de ternura
e repara como a gratidão estala no meu peito
muito simplesmente e apenas porque tu existes

Anthero Monteiro (inédito)