quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Prenda





Rabindranath Tagore,
Calcutá (1861-1941)
Prémio Nobel 1913







Ó meu amor, que prenda
Devo dar-te quando amanhecer?
Uma canção da manhã?
Mas a manhã não dura sempre –
O calor do sol
Murcha como uma flor
E as canções que cansam
Estão feitas.

Ó amigo, quando chegaste ao meu portão
Ao crepúsculo
Que perguntaste?
Que hei-de trazer-te?
Uma luz?
Um candedeeiro de um canto secreto da minha casa silenciosa?
Mas quererás levá-lo contigo
Pela estrada povoada?
Ah,
O vento há-de apagá-lo.

Sejam quais forem as prendas que te possa dar,
Que sejam flores,
Que sejam pérolas para o teu pescoço,
E como te podem agradar
Se com o tempo hão-de murchar,
Desfazer-se, perder o brilho?
Tudo o que as minhas mãos pudessem colocar nas tuas
Deslizará entre os dedos
E cairá esquecido no pó
Para em pó se tornar.

É melhor,
Quando estiveres ociosa,
Que deambules pelo meu jardim na primavera
E deixes um aroma de flor desconhecido e oculto sobressaltar-te com súbito encanto –
Deixar esse momento deslocado
Ser a minha prenda.
Ou se, quando perscrutares a sombria avenida por onde caminhas,
De repente, enfeitiçada
Pelas espessas tranças do anoitecer
Um simples e trémulo reflexo da luz do poente te detiver,
Transforma os teus sonhos em ouro,
E deixa que a luz seja uma inocente
Prenda.

O mais autêntico tesouro desaparece;
Brilha um instante, e depois vai-se.
Não diz o seu nome; a sua melodia
Barra-nos o caminho, a sua dança desaparece
Com o estremecimneto de um tornozelo.
Não conheço outra maneira –
Nenhuma mão, nenhuma palavra o pode alcançar.
Amiga, leves o que levares,
Sozinha,
Sem perguntar, sem saber, deixa que
Seja tua.
Qualquer coisa que eu te possa dar é insignificante –
Seja uma flor, seja uma canção.

Rabindranath Tagore, Poesia,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2004,
seleção e tradução de José Agostinho Baptista