Torre dos Clérigos
vista do poente
(Foto de
Carolina Dias de Marques)
quando uma
torre se levanta é para usar da palavra
traz algo
nos lábios para dizer histórias
lembranças saudações
augúrios
quando
esta porém se erige acima de todos os coruchéus
acima dos
outros campanários acima do nevoeiro
não estira
apenas o pescoço da curiosidade
para saber
se o rio que desliza no sonho dos séculos
vai
vestido de azul ou de ouro
ou
para espreitar os acenos brancos das velas dos rabelos
ou
o sulco das outras embarcações
orador
sagrado num púlpito excelso
ébrio da
eloquência de um infinito azul
aponta o
incomensurável como rumo
faz o
panegírico da verticalidade
promete a
bem-aventurança que mora no alto
sineira e
crucífera deveria talvez
apetecer-lhe
apenas a salvação das almas
mas esta
torre granítica ereta acima das demais
já ali
estava há muito de olhos postos no poente
vaticinando
que seria do mar que chegaria
a
auspiciosa palavra liberdade
semente
sonhada de um paraíso terreno
chegou e
logo chamaram invicta à cidade
a torre
achando merecer também o epíteto
põe-se nos
bicos dos pés de justificado orgulho
e cresce
ainda um pouco mais
Anthero Monteiro
publicado no livro de Helder Pacheco,
Porto A Torre da Cidade nos 250 anos da Torre dos Clérigos,
Porto, Edições Afrontamento, 2013, pp. 290/291