segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Pouco mar








Foto
A.M.






perante a maré cheia dos teus olhos
envergonha-se o mar de ser tão pouco
e é só acidental o infinito

ao ver como são sôfregos teus lábios
já recolhem os polvos as ventosas
e as lapas nada mostram aos rochedos
de quanta obstinação eram capazes

andam as ondas a aprender requebros
ao ritmo dessas ancas tão volúveis
e ao ver quanto um do outro teus joelhos
fugiram a fingir que se não querem
desabotoam risos flores profundas
e libertam seus raios as actínias

como os dedos das águas imiscuindo-se
rebuscando segredos pelos seixos
essas mãos agem ágeis com denodo
e encontraram num ápice o tesouro
que escondi na avidez de o ver roubado

este mar nada sabe nem suspeita
da volúpia do sal dos teus eflúvios
da tontura abissal do teu pescoço
do pântano dos olhos que me perdem
do marulhar da voz que me afogou

foi quando nós nos fomos abraçados
que o aturdido oceano onda após onda
veio estudar na areia que foi nossa
os signos que escreveu tanto desejo

- mil carateres gravados numa folha
vinte metros quadrados de paixão

Anthero Monteiro,
Sete Vezes Sete Nuvens, Porto, Egoiste, 2010