sexta-feira, 31 de julho de 2009

2 sonhos (e 2 desenhos) de Fernando Lanhas

19-20 de Maio de 1976

Sonhei com um homem que vivia amarrado a um estrado.
Era um homem bom. As pessoas que passavam davam-lhe de comer.
O estrado, que lembrava uma padiola, era transportado de cidade em cidade.
O homem, todo envolto nos panos e cordas que o ligavam ao estrado, estava na posição de sentado, com as pernas cruzadas e os braços estendidos.
Os panos que o envolviam eram muito escuros e todo o corpo estava apertado nas cordas grossas.







18-19 de Janeiro de 2003

Tive esta noite um sonho de infância.
Sonhei que era perseguido. Um sonho de insegurança.
Estava num salão onde havia uma grande porta, muito alta, toda chapeada a ferro e pintada com zarcão.
Eu estava do lado direito da porta, contrário à abertura.
Num momento vejo a porta a abrir-se muito devagar. Logo a seguir começa a aparecer uma garra preta com a forma de um neurónio, arrastando-se pela abertura da porta.
Aflito, solto um grito contido e sufocado.
Eu próprio ouvi este grito.
Acordo ansioso.


Fernando Lanhas, in Sonhos



Nasceu
no Porto em 16 de Setembro de 1923. É uma espécie de Leonardo Da Vinci português: arquitecto (ESBAP, 1947), pintor, desenhador, escultor, poeta, director do Museu de Etnografia e História do Porto, investigador, inventor (inventou o "fotalto" para fotografar objectos do alto), arqueólogo, astrónomo, coleccionador. Pioneiro no nosso país do abstraccionismo geométrico (assina em 1944 o primeiro quadro abstracto pintado em Portugal), revela, desde sempre, curiosidade por tudo o que o cerca e pelos fenómenos da vida (aos seis anos dedica-se a observar formigas com uma lupa), do espaço (aos dez anos assiste a uma "chuva de estrelas") e do subconsciente (regista e desenha os seus sonhos desde muito cedo).

Embora não se trate de poesia, mas de pequenos relatos e registos gráficos, aqui ficam dois exemplos dessas vivências do subsconsciente de Fernnado Lanhas, que afirmou algures: "Sonhamos o que sabemos". Ao integrá-los na sua obra, o artista terá pretendido afirmar que esta não é independente daquele e que importa conhecer o homem todo, até o seu lado mais nocturno, para um maior entendimento da criação e do criador.

Fernando Lanhas será, possivelmente, o convidado especial da próxima sessão das Quartas Mal Ditas (o Coordenador promete diligenciar nesse sentido), as quais abordarão, tal como fizemos este mês, na Praça da Poesia, o tema "Pelo Sonho é que Vamos", que encerramos com este post.