quarta-feira, 8 de julho de 2009
O sonho
Foto in
www.gomestic.com
Ao caminhar pelas areias
decidi deixar-te.
Pisava um barro escuro
que tremia,
e, ao afundar-me e soltar-me,
decidi afastar-te
de mim, pois me pesavas
como pedra cortante,
e preparei o teu afastamento
passo a passo:
cortando-te as raízes,
soltar-te sozinha ao vento.
Ai, nesse instante,
coração meu, um sonho
com suas asas terríveis
te cobria.
Sentias-te tragada pelo barro
e chamavas-me e eu não acudia,
afundavas-te, imóvel,
sem defesa,
até te afogares na boca do areal.
Depois
a minha decisão encontrou-se com o teu sonho
e da ruptura
que nos partia a alma
surgimos limpos outra vez, nus,
amando-nos
sem sonho, sem areia,
completos e radiantes,
selados pelo fogo.
Pablo Neruda, Os Versos do Capitão,
Porto, Campo das Letras, 1996, 2.ª ed.