Nesta praça apregoa-se a Poesia. Sobretudo a dos outros. Possivelmente alguma da que escrevo. Autores da minha terra, da minha pátria-língua-portuguesa, mas também da nossa Terra-mãe-comum. Nesta praça vendo o sonho de ser poeta, mas não passo talvez de um mero divulgador de Poesia.
Anthero Monteiro, Diana Devezas e Gilberto Pereira representaram a Onda Poética no Serão Republicano, realizado no dia 22 de Abril, no Centro Multimeios de Espinho, onde leram alguns poemas, como "O Melro" de Guerra Junqueiro e "Caranguejola" de Mário de Sá-Carneiro. Grande noite de música, poesia e teatro. (Fotos in http://www.espinho.tv)
É já amanhã, quarta-feira, mais uma sessão das Quartas Mal Ditas, desta vez subordinadas ao tema POESIA & JAZZ.
Leituras dos habituais tertulianos "residentes".
Intervenção musical do Duo 2 P´RAJAZZ, com Francisco Seabra no piano e a voz de João Belchior.
O poeta Anthero Monteiro e Sara Príncipe, ilustradora dos seus livros A LIA QUE LIA LIA e A SARA SARDA-PINTADA, estiveram ontem na Escola Básica da Bandeira, em V. N. de Gaia, em contacto com alunos e professores. O poeta leu alguns dos poemas daqueles livros e Sara Príncipe falou da arte da ilustração, tendo ambos respondido também a questões que lhes foram colocadas.As imagens são bem eloquentes quanto à atenção e participação dos alunos naquele encontro.Não venham dizer-nos que as crianças não gostam de Poesia. Aliás, será difícil dizer quem regressou a casa mais motivado para este tipo de iniciativas. (Fotos A.M.)
Sexta, 16 Abril, espectáculo de Poesia & Jazz no Multimeios de Espinho, às 21.30 h.
a Onda Poética associa-se ao duo 2 p´ra Jazz, com leituras de poemas de David Mourão Ferreira, Papiniano Carlos, João Pedro Mésseder, Manuel de Freitas, Almada Negreiros, Ary dos Santos, António Jacinto, José Gomes Ferreira, Ricardo Mainieri, João Candeias e Levi Condinho.
Cartaz e programa de iniciativas relacionadas com a instalação poética "Entre o Livro e a Liberdade", que se realizará entre os dias 23 e 25 de Abril próximos, de acordo com o que aqui já foi anunciado.
Os poemas para a instalação podem ainda ser enviados até ao dia 19 do corrente.
Mãe do olhar sem retorno e da pedra levantada. Mãe do embalo das águas limando as arestas do cais. Mãe dos barcos encalhados nos baixios da memória. Mãe dos muros, das colmeias, do arco de ferro sombrio. Mãe da luz e da neblina e das águas sublevadas. Mãe das refregas perdidas e da dor dos afogados. Mãe das vozes estridentes e dos amantes sem horas. Mãe dos velhos que beberam a última gota de céu. Mãe dos homens que partiram e daqueles que voltaram. Mãe das mulheres que acendem o lume primeiro do dia. Mãe dos meninos nascidos da verde placenta do rio. João Pedro Mésseder, Porto Porto, V. N. Gaia, Calendário das Letras, 2009
A cidade equestre No rio mergulha Seus cascos de granito E sobe A galope Encosta arriba
Num salto a prumo (Lá onde o casario morre) Upa! É uma torre
Torre de pedra e nuvem De pássaro de fogo De corpo de mulher Torre de tudo e de quanto O sonho A palavra o canto Pode e quer.
Luís Veiga Leitão, «Linhas do Trópico», 1977, in Obra Completa, Porto, Campo das Letras, 1997
Poeta e artista plástico, n. em Moimenta da Beira em 1912 e f. em Niterói - Brasil em 1987. Militante antifascista, foi demitido pelo regime de Salazar de escriturário da 7.ª Brigada Cadastral da Federação dos Vinicultores da Região do Douro e obrigado a exilar-se. Foi membro do grupo literário Germinal.
Porto, domingo. Morre de cansada a tarde ruiva de olhos azulinos, isto apesar de não ter feito nada pois que guardou os ócios citadinos.
Foi para a Foz, levou a pequenada para os folguedos próprios dos meninos, e a certa altura estava tão corada como quem bebe largos vinhos finos.
Agora esvai-se e mancha de vermelho os vidros altos deste Porto velho que muito preza as tardes domingueiras.
É que amanhã começa uma semana de luta imensa e inveja e luta insana, uma infernal semana de canseiras. Manuel de Oliveira Guerra, Caminho Longo, Porto, Papiro Editora, 2006
Nasceu em Oliveira de Azeméis, em 1905. Morreu no Porto em 1964. Era filho de de um operário vidreiro da Marinha Grande, que viria a tornar-se industrial do mesmo ramo em Oliveira de Azeméis. Manuel estava destinado a colaborar com o pai, mas uma grave doença óssea obrigou-o a ficar internado, aos onze anos, no Sanatório Marítimo do Norte, em Francelos, onde permaneceu outros 11 anos, aí fazendo os seus estudos liceais com o apoio de uma professora. Foi autor de uma colectânea de poemas intitulada Padre... Nosso, que escreveu em pouco mais de um mês e se esgotaria em quinze dias. A segunda edição e a publicação de um novo livro, agora intitulado Ave Maria, na esteira do primeiro, foram sendo adiadas por questões de ordem religiosa, política e familiar. Casado, decidiu viajar sozinho para o Brasil, onde permaneceu durante algum tempo. Quando regressou, verificou que tinha sido deserdado e que se esboroara tudo quanto deixara, vendo-se obrigado a estabelecer-se no Porto com uma loja de vidros. Em 1960, reedita o seu primeiro livro e começa a edição dos inéditos., que incluem poesia e contos. Militante da aproximação luso-galaica, foi director da revista Céltica, publicando 4 números.
Para saber mais sobre Manuel Oliveira Guerra, ler:
Anthero Monteiro, «Os Sonetos Anticlericais de Oliveira Guerra (No Centenário do seu Nascimento)» in Luís Machado de Abreu (coordenação), Incidências Anticlericais, Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, 2006
Era um galo azul na manhã do Porto. O campo com castelo em ruínas e os patos no charco. O banho sob a ponte do Senhor Dom Luís a luta espreitando da muralha. S. Jorge S. Jorge por quem gritam os portugueses.
Foi uma cena devoniana de grande efeito os peixes devorando o rei vindo de Itália romântico românticas são as cabras das Montanhas Rochosas criaturas de Camilo fazendo comércio e indo ainda hoje setembro de setenta e oito de bigode encerado criada fardada levando o carrinho de bebé rodas altas capotinha azul. A mulher envolta em rendas negras. Vão jantar na varanda sobre o rio. O cor de rosa os pequenos nevoeiros.
O Porto é descer descer até ao Douro e o retrato de uma mulher tocando arco por detrás de uma janela de Matosinhos porque cinzentos eram os dias mais os poemas do Nobre. Vou de azulejo em azulejo não há nenhuma igreja nenhum café onde não entre. O Porto mais as escadas da Lello as calhas espaçadas dos eléctricos o galo azul tão azul nas manhãs de S. Lázaro no meio-dia dos passeios de tão azul o quero pelos cinzentos dias.
Do azul da torbenite crosta de prismas entrelaçados cidade mais próxima da Primavera de Alice que de Lisboa fica longe é imoral que lá não possas ir ao menos ver Pousão e ouvir o bispo
merde pour celui qui ne le regarde point! João Miguel Fernandes Jorge, in Eugénio de Andrade, Daqui Houve Nome Portugal (Antologia)
O empregado da Funerária
bebia a sexta cerveja dominical
ao balcão. Estávamos, por
bizarro que pareça, na Rua do Paraíso
e lia-se na montra vizinha
do fornecedor de urnas
(24 horas por dia), pintada
em letras douradas, a palavra armador. Reparti a minha atenção
entre essa palavra e a cerveja alheia.
Viajei com a família
verbal: pelas armadas marítimas,
por ítacas, bojadores e gamas,
por elmos de quixote, toucados, presépios
e outra literatura, mas não consegui
fugir à extinção visível
do nível da cerveja no fino do
funcionário.
Apanhar um lugar a esta hora é uma sorte, poder olhar pela janela e fingir que tenho imunidade diplomática, que estou de lá do vidro com o hálito das folhas, o sabor a hortelã e um ar fresco interrompido pela velha senhora a quem cedo o assento e um sorriso enquanto me agradece de nada, de ir agora em pé empurrada, de cá do vidro a apanhar uma overdose de realidade com o bafo quente do homem gordo na minha orelha, com a mão livre apertada contra o peito contra o visco da hora apinhada na minha pele pública, na minha pele de todos. No banco em frente uma mulher afaga a neta com o sorriso doce e cansado, os olhos brilhantes; a candura intacta toma-me toda como se eu fosse um anjo descendo à terra com um corpo real para que a minha pele receba a dádiva da tua, aceite os cheiros de um dia de trabalho, o calor excessivo, a proximidade insustentável e leia no teu rosto cada mandamento nos solavancos que nos atiram uns para os outros. No teu rosto à hora de ponta aprendo a compaixão até sair na próxima paragem com um suspiro de alívio.
Rosa Alice Branco, Da Alma e dos Espíritos Animais
Imprecisamente, como se a névoa fosse dos meus olhos, vejo o casario e as luzes do outro lado do rio. Mais à direita, ao longe, são já da névoa a praia, o mar. Ouve-se apenas o ronco do farol - um som molhado. Para o lado dos pinhais, anda a bruma a fazer medo e a pôr mais pressa nos passos de quem foge.
Não há luar, não há estrelas. De novo olho par o rio. Não sei se o vejo: anda a névoa, já, com ele, e os meus olhos não dizem o que é bruma, o que é rio. E ela não pára, avança ao meu encontro.
Cerca-me. E eu tenho, só, orvalho nas árvores do jardim, gotas de água que se partem na alameda, o ar húmido que me trespassa, o molhado ronco do farol, os cabelos encharcados e pensamentos de névoa
Alberto de Serpa
Nasceu no Porto em 12 de Dezembro de 1906. Faleceu na mesma cidade em 7 de Outubro de 1992.
sei de pintores que se inquietavam por pressentirem uma relação entre a cor e a palavra. era nos anos sessenta em s. lázaro, quando a luz entardecia, muita gente se afadigava no ---- lento regresso a casa, as aves recolhiam e eles sabiam que havia alguém para falar das águas e das luas e da sombra das cores, dos gestos entre as hastes e os farrapos --- do silêncio. seria à mesa do café, numa sala cheia de livros, num vão de escada a caminho do atelier que lhe propunham essa revisita das fontes, das perturbadas melancolias
que ele havia de dizer por palavras no papel. mostravam-lhe os trabalhos, esperando as justas perífrases, os ritmos em que haviam de rever a sua fome do real nas artes da pintura.
era o cruzar das solidões comovidas: tudo seria reescrito, portuense, partilhado com uma densa, irisada exactidão, lá onde umas pétalas da música começam
a partir de uma cor ou de um murmúrio, de um rosto ou de uma nuvem, de uma explosão do sol, de uma agonia. era nos anos sessenta, era em s. lázaro.
Vasco Graça Moura, Poesia 1997/2000, Círculo de Leitores
A minha infância cheira a soalho esfregado a piaçaba aos chocolates do meu pai aos Domingos à camisa de noite de flanela da minha mãe
Ao fogão a carvão à máquina a petróleo ao zinco da bacia de banho
Soa a janelas de guilhotina a desvendar meia rua surgia sempre o telhado sustentáculo da mansarda obstáculo da perspectiva
Nele a chuva acontecia aspergindo ocres mais vivos empapando ervas esquecidas cantando com as telhas liquidamente percutindo folhetas e caleiras criando manchas tão incoerentes nas paredes de onde podia emergir qualquer objecto
E havia a Dona Laura senhora distinta e sua criada Rosa que ao nosso menor salto lesta vinha avisar que estavam lá em baixo as pratas a abanar no guarda-louça
O caruncho repicava nas frinchas alongava as pernas a casa envelhecia
Na rua das traseiras havia um catavento veloz nas turbulências de Inverno e eu rejeitava da boneca a imutável expressão
A minha mãe fazia-me as tranças antes de ir para a escola e dizia-me muitas vezes
Não olhes para os rapazes que é feio.
Inês Lourenço, Um Quarto com Cidades ao Fundo,
Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2000, 1.ª d.
Meu amor - assim começavam quase sempre os poemas de que menos conseguia gostar. Mas é verdade (a verdade e a retórica nunca se entenderam) que um bando de gaivotas atravessa o pouco céu que vai da Sé aos Clérigos.
Tu dormes; nunca estivemos aqui. A cortina por levantar, de um amarelo duvidoso, a varanda sobre ruínas, casas onde morou gente, telhados abatidos que me servem de cinzeiro. Tu dormes, rosto abertamente escondido sob lençóis brancos, almofadas com brasão, espelhos dos anos vinte,
Não sabes, não sabemos, de melhor castelo. Ignoras devagar os motivos que em breve nos farão descer do quarto 209, Grande Hotel de Paris, atentos aos primeiros sinais do nada.
Se vieres dos lados da Ribeira, depressa reparas como os preços descem e a miséria aumenta em esplanadas de improviso, e ficam mais tristes e humanas as janelas.
Chegaste a Miragaia e quase não mentes se lhe chamares destino.
Ainda algumas fotos da semana de 13 a 20 de Março em S. João da Madeira, onde decorreu a campanha "Poesia à Mesa", um conjunto de já tradicionais eventos comemorativos do Dia Mundial da Poesia.
Foi uma honra e um enorme prazer ter lá estado como convidado e foi animador ver o destaque que foi dado à Poesia: os livros nos balcões dos restaurantes, cartazes alusivos aos poetas alvo de homenagem, escolas a receberem os poetas, plateias de jovens atentos às leituras e ao diálogo com eles, outros interessados em participar.Enfim, um ambiente acolhedor às palavras e aos que as sabem usar de forma diferente de todos os dias.Até as minha amigas magnólias souberam engalanar as ruas da cidade para os receber como merecem, pelo menos nestes dias, pois nos outros os poetas e os poemas são completamente esquecidos.
Este é um blogue temático, visando, sobretudo, a divulgação da Poesia, dos Poetas e dos eventos relacionados, a promoção da leitura, dos livros e dos autores de qualidade. O autor considera, pela sua formação intelectual, estar a prestar a todos um serviço e declara não perseguir quaisquer objectivos económicos em seu próprio proveito nem pretender lesar autores, editores ou livreiros. A transcrição de textos para esta Praça respeitará rigorosamente os originais, dando-se, sempre que possível, a indicação detalhada da sua proveniência. As ilustrações serão, de preferência, do autor, indicando-se também a sua proveniência, quando assim não acontecer.
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Autor de vários livros de poesia.
Uma vida a divulgar a poesia e os poetas.
Coordenador de vários eventos literários: Quartas Mal-Ditas (Clube Literário do Porto), Onda Poética (Espinho), Quarto Crescente (S. Paio de Oleiros).
Participou em muitos outros, como nas Noites do Pinguim, e colabora, há cerca de 10 anos, nas Quartas de Poesia do Púcaro's Bar, também no Porto.
Poesia partout, everywhere. Sempre.