sempre que vê passar uma borboleta rubra
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Memória seletiva
sempre que vê passar uma borboleta rubra
saracoteando-se
ela sobe-lhe
à cabeça
não ela
propriamente
porque
dela esqueceu quase tudo
viveram
juntos quase três anos
mas ele já
não sabe se os olhos dela
eram azuis
verdes ou negros
já não se
lembra sequer dos seus pratos prediletos
do seu
vinho preferido
do sofá
onde mais vezes repousava
do lado da
cama de cada um
por mais
que se afadigue
não
consegue revisitar
as
palavras que mais vezes usava
nem a sua
voz
nem o
perfume mais amado
não lhe
ocorre o filme
a música o
livro seus favoritos
nem
imagina já se punha açúcar no café
se se
deitava a desoras ou se madrugava
não se
recorda sequer da razão
que os
levou a separarem-se
e
verdadeiramente há muito que o rosto dela
se diluía
na sua retentiva
hoje de
novo ao ver passar
uma
borboleta vermelha
requebrando-se
aquela
imagem rompeu como uma epifania
bem
definida nítida excitante
não era
ela propriamente
apenas a
lingerie que vestia
na
primeira noite de sexo
um
sutiã-borboleta
e uma
calcinha de fio dental
também em
forma de borboleta
ambos encarnados
e com adornos
de
misssangas e lantejoulas
Anthero
Monteiro