sábado, 4 de maio de 2013

Dança I














Patrícia Portela





Amo-te tanto que me doem mais os pés que o coração.

tropecei  ao correr estrada abaixo, torci o tornozelo direito e feri gravemente o pé do outro lado. Dois dedos estão mortos e três não têm unhas.
Tu não sabes, mas desde então, um dos pés chora ininterruptamente por não ser mão e não te poder escrever pedidos de socorro e cartas de amor.
Pensei seriamente amputar o meu pé esquerdo, mas não consigo imaginar-me a amar-te apenas com o meu lado direito.
Patrícia Portela,
Se não bigo, não digo, Lisboa, Fenda, 1998

Escritora, dramaturga, encenadora, cenógrafa e atriz, entre outras coisas, cria, segundo Maria João Guardão, «mundos paralelos em forma de livros, jardins, tertúlias, performances e peças radiofónicas». Nasceu em Lisboa em 1974, viveu em Macau, estudou em Utrecht e Helsínquia. Mudou-se para Antuérpia, por ter conhecido o músico belga Christoph De Boeck e continua fascinada pela Bélgica. Publicou vários livros, entre os quais: Operação Cardume Rosa, Se não bigo, não digo, Odília ou a história das musas confusas do cérebro de Patrícia Portela, Escudos Humanos, Banquete ou a Trilogia Flatland e recebeu vários prémios relacionados com o teatro.