sábado, 28 de agosto de 2010

Chove, chove, chove







Foto
A.M.







Choveu oito dias,
choveu oito noites,
bátegas… açoites…
nuvens tão sombrias.

Já lá vão os nove,
os dez já lá vão.
ribomba um trovão,
chove, chove, chove.

Na meteorologia,
aquele sorriso
promete granizo,
mais chuva anuncia.

E o sol sem emprego
emigrou p’ra longe.
Dias já são onze,
vestidos de negro.

O céu se descose,
desaba aos pedaços,
tantos dias baços,
já lá vão os doze.

E a menina alegre
sem qualquer receio
que o céu abra ao meio
ou se desintegre.

Por dentro das casas
as crianças olham
as flores que desfolham,
as aves sem asas.

E o vento que corre
e assobia aos jactos
produz desacatos
no cimo da torre.

E a cara risonha
na televisão
promete um tufão
e ri sem vergonha.

A chuva de um raio
já não tem remédio.
Foi tristeza e tédio
todo o mês de Maio!

E a moça bonita,
que troça de mim,
faz do boletim
a minha desdita.

Radiosa e morena
sem gola e sem luva,
promete só chuva
mais uma quinzena.

Meu anseio ardente
é que, sem aviso,
aquele sorriso
o leve a torrente

e que um rabugento
velho de ar sisudo,
com o sobretudo
mais grosso e cinzento,

com antipatia,
com um tom de agouro,
com a voz de choro
e sem alegria,

com meias de lã
e um cachecol,
anuncie sol
já para amanhã.

Anthero Monteiro,
A Sara Sardapintada,
Porto, Corpos Editora, 2004