bátegas… açoites…
nuvens tão sombrias.
Já lá vão os nove,
os dez já lá vão.
ribomba um trovão,
chove, chove, chove.
Na meteorologia,
aquele sorriso
promete granizo,
mais chuva anuncia.
E o sol sem emprego
emigrou p’ra longe.
Dias já são onze,
vestidos de negro.
O céu se descose,
desaba aos pedaços,
tantos dias baços,
já lá vão os doze.
E a menina alegre
sem qualquer receio
que o céu abra ao meio
ou se desintegre.
Por dentro das casas
as crianças olham
as flores que desfolham,
as aves sem asas.
E o vento que corre
e assobia aos jactos
produz desacatos
no cimo da torre.
E a cara risonha
na televisão
promete um tufão
e ri sem vergonha.
A chuva de um raio
já não tem remédio.
Foi tristeza e tédio
todo o mês de Maio!
E a moça bonita,
que troça de mim,
faz do boletim
a minha desdita.
Radiosa e morena
sem gola e sem luva,
promete só chuva
mais uma quinzena.
Meu anseio ardente
é que, sem aviso,
aquele sorriso
o leve a torrente
e que um rabugento
velho de ar sisudo,
com o sobretudo
mais grosso e cinzento,
com antipatia,
com um tom de agouro,
com a voz de choro
e sem alegria,
com meias de lã
e um cachecol,
anuncie sol
já para amanhã.
Anthero Monteiro,
A Sara Sardapintada,
Porto, Corpos Editora, 2004