quinta-feira, 28 de março de 2013

um estranho na cama









foto
A.M.





aflitíssimo tocou o telefone pela manhã bem cedo
do outro lado irrompeu suplicante a voz da mãe
estava um homem na sua própria cama nunca o vira
não o conhecia viesse depressa antes que despertasse

saltou para o volante
fez voar a máquina
estacou bruscamente
precipitou-se no quarto
lá estava um desconhecido
bem conhecido afinal
o próprio pai

o tal que ela desposara em dia tão sonhado
aquele cujas feições devia saber de cor
e cujos lábios bebera vezes impossíveis de contar
aquele que lhe ensinara a febre do ciúme
o delírio da espera a labareda estreme do amor
com ele congeminara e realizara
em dor pungente e em grito lancinante
o filho agora ali especado atónito
sem sangue sem riso e sem lágrimas
reclamara aquele homem como seu
o mesmo que agora a ruína galopante
da memória transfigurara em estranho
e mais que estranho em perigo iminente

regressou ao volante
fez voar a máquina
por estradas à sorte
quilómetros sem conta
desvairado desvairado
buscando pelas ruas
no labirinto da vida
o túnel de regresso
ao útero do mundo

Anthero Monteiro