segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A puta ao balcão (in memoriam de Carlos Pinto)










Foto do álbum do
Púcaros Bar
(facebook)







naquele bar à hora dos poemas
ela sentava-se ao balcão num banco alto
eu não a via mas via os seus estratagemas
e sentia no ar um estranho sobressalto

era sempre à quarta-feira aquele assédio
a puta fixava o olhar no outro lado do balcão
que bem se adivinhava naquela feição
da vítima de olhos presos e sem remédio

devia morrer-se de outra maneira
era um poema que nos ouvia ler a malvada
mas o silêncio era ferido por uma funesta gargalhada
e era ela a rir-se de nós e do josé gomes ferreira

e ela continuava naqueles modos a seduzi-lo
servia-se sem pagar dos tremoços e da sangria
batia também palmas no fim de cada poesia
e lançava o seu hálito de fumo a tudo aquilo

e ele o carlos mal saía do balcão
continuava preso àquele olhar satânico
dizia umas lérias pra afugentar o pânico
mas sentia-lhe as garras aduncas no pulmão

bem queria mandá-la pró raio que a parta
mas aquele olhar aquele bafo aqueles gadanhos
aquela presença invisível tinha poderes tamanhos
que ele só sabia respirá-la a cada quarta

até que no meio dos versos debaixo das arcadas
à meia-noite da última quarta-feira
ele sentiu que aquela quarta era mesmo a derradeira
e a puta confirmou-o com quatro gargalhadas

decidira a rameira aquela galdéria sem um pingo
de vergonha na cara que não tinha aquele ser suspeito
que o seu bafo letal produziria lentamente efeito
um mortífero efeito no imediato domingo

deixou-lhe em cima do balcão um passaporte
que não permite escusa nem permuta
e saiu impante e irresistível essa puta
cujo nome já sabem que é morte

dos versos a marafona agora não se importa
e o carlos seduzido por aquela miragem
no domingo partiu para a indeclinável viagem
e agora quem aos poemas e a nós abrirá a porta?

Anthero Monteiro,

1 de Novembro 2010