domingo, 24 de outubro de 2010

Prece ateia













Foto de
Anthero Monteiro
por Anaas



dos arremedos do amor
livrai-me senhor

não dos teus olhos vívidos libertos
modelares no espelho destes meus
que eu troco pelos olhos que há nos céus
e luzem na amplidão dos meus desertos

da rotina do amor
livrai-me senhor

não dessa boca túmida faminta
não do veneno bom da tua língua
que engana a minha sede a minha míngua
que a mim só ama quem sempre me minta

das verdades do amor
livrai-me senhor

não dessa voz que tanto me maltrata
como a voz das sirenes fez a ulisses
como se a minha rouquidão punisses
com argêntea e suavíssima chibata

das delícias do amor
livrai-me senhor

não dessa fronte limpa que deslumbra
e beijo grato até por existires
não dessa aura não desse arco-íris
do qual desfruto ao menos a penumbra

dos acenos do amor
livrai-me senhor

mas não das tuas mãos frescas purinhas
que me estrangulam saborosamente
que estraçalham meu coração doente
só com o gesto de tocar as minhas

dessa palavra amor
livrai-me senhor

porque de amor de amor eu não preciso enfim
nem dos seus desencantos que hão de vir
do que eu preciso mesmo é de sentir
agora que te tenho ao pé de mim

Anthero Monteiro (inédito)

Espinho, 9 setembro 1998