sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Como num filme







Foto in
omundoeumblog.
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uma mulher com seus passos sonâmbulos
numa rua deserta de lisboa,
tendo, como num filme, a lua a modelá-la,
a acetinar um halo em sua pele

de calcário e centeio e a alucinar a noite
entre cheiros de sombra e lúcia-lima,
quando de uma janela se entreabriam
espumas de uma música impossível,

circunstâncias anódinas impressas
algures na alma, rimando e desrimando.
era helena de tróia, briseida, pentesileia,
uma figura do desejo outra vez iluminada,

causadora de mortes, cóleras, poemas,
tumultos da paixão, no último olhar?
houve sempre uma voz rouca e abandonada
para falar de vida e desespero,

num blues, num fado, num tango, num flamenco,
por esquinas e bares, é quando fumo e álcool
têm um travo certeiro na garganta
e os olhos um fulgor líquido intenso.

é quando a solidão se encorpa nas palavras
e as palavras se encadeiam no destino
e o destino infeliz pode cantar-se então
e as metáforas têm um rumor de rosas enlouquecidas.

Vasco Graça Moura, Poesia 1997 – 2000,
Círculo de Leitores, 2001