quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"O Verão" (de Giuseppe Arcimboldo)

Giuseppe Arcimboldo, O Verão, 1573, Louvre















Para mim foi sempre isto o Verão:
uma orgia de frutos,
um labirinto de aromas,
um dédalo de cores com cadência de ondas,
em fundo, tudo fazendo correr
na direcção do mar, como uma fatalidade.
A ciência de Arcimboldo, sim, a ciência,
nunca esteve no modo como combinou
frutos e legumes para criar
a ilusão de vida em rostos surreais,
só reais como a imaginação dos alquimistas.
Em Praga riam-se dos seus jogos visuais,
dessa ilusão que criava com pepinos,
azeitonas, maçãs, pêssegos e laranjas,
mas o pintor não se importava,
pois um quadro seu, sendo comestível,
bastaria para debelar o escorbuto
de uma armada com tanta vitamina.
Revejo-me neste retrato de Verão
como me revia no quintal da minha avó,
imaginando o mundo como um cesto de fruta
cercado de céu e de mar até à loucura.

José Jorge Letria, Sobre Retratos, Lisboa, Indícios de Oiro