segunda-feira, 29 de março de 2010

As ruas sombrias









Foto A.M.










Não vai servir de nada este cigarro, amigos.
As cartas que escrevi para a família
vão cinzentas de tédio,
minha noiva também vai estranhar
as palavras de água que lhe envio
como vós estranhais meus passos na cidade,
meus olhares que passeiam nas ruas sombrias
dos comércios modestos,
das casas de penhor, dos alfaiates pobres,
das capelistas com pústulas nas faces.
Não tenho nada para vos contar,
são coisas tão vulgares as que transporto
das minhas excursões sem companhia
que as guardo comigo.
Naquela rua estreita que desconheceis
chorava hoje a jovem empregada
de uma casa de louças.
Só eu passei na rua àquela hora
e ela corou quando vi suas lágrimas.
São histórias assim as que trazem os dias.
Amigos: este cigarro não resolve nada.

António Rebordão Navarro

Nasceu no Porto em 1933. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi chefe de secção de uma Caixa de Previdência e delegado do Ministério Público nas comarcas de Vimioso e de Amarante, dedicando-se depois ao exercício da advocacia na sua cidade. Secretariou e, posteriormente, dirigiu a revista literária "Bandarra", fundada por seu pai, o escritor Augusto Navarro. Foi co-director da revista de poesia "Notícias do Bloqueio". Durante vários anos presidiu à Assembleia Geral da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e foi vogal do Conselho Fiscal da Sociedade Portuguesa de Autores, tendo também sido director da Biblioteca Municipal do Porto. Colaborou em diversas publicações e está representado em várias antologias. Alguns dos seus poemas estão traduzidos para castelhano, francês, checo e sueco. Em 2002 foi-lhe atribuído o "Prémio Seiva".

In
www.wook.pt/authors