terça-feira, 29 de junho de 2010

Entrevista de Anthero Monteiro ao semanário Terras da Feira

Saiu ontem no Terras da Feira uma entrevista dada por Anthero Monteiro à directora daquele semanário, Sara Oliveira, a propósito sobretudo, mas não só, do lançamento do último livro do poeta, Sete Vezes Sete Nuvens.

Eis o teor da



ENTREVISTA


"Sete vezes sete nuvens". O número sete tem algum significado especial?

. O número sete é, como sabemos, um número mítico, místico, cabalístico, sagrado, mágico, extremamente recorrente em todos os sectores da vida e do Mundo: a História, a Geografia, a Religião, a Magia, o Esoterismo, a Arte, a Astronomia, a Física, a Filosofia, a Lenda, etc. Se começássemos a citar exemplos, nunca mais acabaríamos. A numerologia atribui-lhe um significado ligado à perfeição e à manifestação do divino na Terra e no Cosmos. No caso do meu livro, serve também na perfeição, porque traduz uma extensão nem demasiado diminuta nem demasiado extensa, para a reunião que nele foi feita de 7 temas com 7 poemas cada um, ou seja 49 poemas, a que adicionei, a abrir, o que chamei um “prefácio embrulhado em nuvem”. Logo, trata-se de uma colectânea de 50 poemas.

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E por que razão nuvens?

. O prefácio explica isso. Partindo da recorrência da chuva nos momentos mais importantes da minha vida (desde o casamento, às datas de lançamento de quase todos os meus livros, passando pelo data da minha chegada a Cabo Verde, após uma seca de 5 anos – tudo coincidências decerto, pois não sou certamente o homem que manda chover), acabo por identificar um poema com uma nuvem, pelo quanto ele é também algo obscuro e uma promessa de fertilidade ou de desgraça. Portanto, sete nuvens são os sete poemas de cada tema.


Um livro de poesia que fala de que assuntos?

. Lá vêm os sete temas, que surgem enunciados de uma forma mais poética, mas que aqui traduzo para simplificar: o regresso à infância, os enigmas da vida, o erotismo, o amor e as suas ciladas, o desamor e os seus desencantos, o divino ou o não divino e, finalmente, a morte.

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Há mensagens a transmitir através da poesia? No seu caso, o que pretende fazer chegar aos leitores?

. Claro que há mensagens, mas não tanto a intenção de persuadir ou provocar a mudança de ideias, como acontece nos discursos político ou publicitário. O poeta é alguém que está disponível para se aperceber de que a vida não é apenas o que nos surge perante os olhos imediatamente e logo ali no primeiro plano. Há muito mais por detrás. E o poeta abre essa cortina para o outro lado. Pode partir do quotidiano e de tudo o que lhe é familiar, mas desvela e cria um mundo outro, hipoteticamente algo mais habitável do que o real.


Num livro de poesia é fácil agregar temas ou cada poesia vale por si mesma?

. Normalmente cada poesia vale por si mesma, mas é perfeitamente viável, como aconteceu neste livro, reunir poemas sobre um mesmo tema ou sobre vários.


Se pudesse resumir numa frase o seu novo livro, o que escreveria?

. Não se me afigura fácil tal tarefa, exactamente porque os poemas não obedecem todos ao mesmo tema, mas, afinal, os sete temas que reuni resumem o essencial da vida de cada homem, do nascimento à morte. São assim como os sete pecados capitais, os sete sacramentos ou as sete maravilhas do mundo.


Depois da Feira do Livro, onde e em que dias irá apresentar o livro? Há alguma sessão na Feira?

. Ainda não há datas marcadas, mas o livro será seguramente apresentado noutros locais. Já há várias solicitações no Porto. Mas estou disponível para outros locais, inclusivamente na Feira. Talvez o interesse deva ser mais meu, mas eu gostaria de ver que a Feira, por exemplo, se interessa também pelo que escrevo, tanto como o Porto ou Espinho ou muitas outras localidades do país, que me solicitam mais, como aconteceu este ano com S. João da Madeira ou Penafiel, por exemplo. Ou será que também nesta questão se aplica o provérbio “Ninguém é profeta na sua terra” (profeta ou poeta)? Mas nunca esquecerei - e por isso estou-lhe grato - que o Terras da Feira tem seguido sempre com interesse a minha trajectória poética e não só.


Continua na Biblioteca Pública de Oleiros? Como tem sido o seu trabalho?

. Por essas e outras é que eu digo que ninguém é profeta na sua terra. Estou na direcção dessa Biblioteca Pública há pelo menos 30 anos: metade da minha vida de voluntariedade total. Exceptuando uma vez mais o Terras da Feira, já alguém terá reparado nisso? Mas eu não quero que reparem em mim, pois tenho comigo gente que há muito também se entrega a este trabalho. Quero que os responsáveis reparem na nossa colectividade e saibam distinguir o acessório do essencial, porque uma biblioteca, mais do que uma igreja, desenvolve um trabalho de base para a formação de qualquer cidadão e é um serviço gratuito e interminável. É como no mito de Sísifo: há uma rochedo para arrastar até ao cimo da montanha e quando lá se chega, ele rebola de novo para o sopé. E é preciso recomeçar continuamente. E é por isso que o nosso trabalho é sempre difícil e foi ainda mais difícil no último mandato com a mudança forçada de instalações.


E o que tem feito pela poesia? sei que tem andado por muitos sítios...

. Desde fevereiro até agora, tem sido um autêntico corrupio: participação no programa Tucátulá em Espinho, organização da Onda Poética, coordenação das Quartas Mal Ditas no Clube Literário do Porto, espectáculo poético para crianças na Biblioteca Municipal de Gaia e noutras associações, envolvimento na Semana da Poesia à Mesa em S. João da Madeira, tertúlias, visitas a escolas de todos os níveis de ensino, feira do livro do Porto, outros muitos eventos poéticos e de divulgação do livro e da leitura. É impossível agora referir tudo. No concelho da Feira, apenas estive no Colégio de Santa Maria de Lamas, um êxito devido sobretudo aos professores da casa, e em sessões de poesia organizadas por mim em Mozelos e em S. Paio de Oleiros, dois interessantes eventos muito bem sucedidos.


Algum comentário sobre os 10 anos de vida da Biblioteca da Feira, nas actuais instalações...

. Pelo que me é dado perceber, foram 10 anos de muitas concretizações ao serviço da leitura e da cultura em geral, dez anos de trabalho intenso, numas instalações que parecem ter tudo para continuar a ser um exemplo a seguir. Mas, como o concelho é muito extenso, a Biblioteca não é apenas as instalações da sede do concelho, mas também todos os outros pólos por ele espalhados: um trabalho ainda mais hercúleo. Não posso esquecer o pólo de S. Paio de Oleiros, que, apesar de toda a colaboração e apoio que lhe tem sido dado, pouco mais é do que um projecto. Creio que é preciso avançar mais rapidamente na sua concretização, a começar pela urgente necessidade de a Câmara Municipal assumir e satisfazer os compromissos que tem, desde o início, com a pessoa que tão gentilmente nos cedeu as novas instalações, isto para não falar dos subsídios atrasados que põem em causa a nossa sobrevivência. É preciso ainda (e isto também nada tem a ver com a Biblioteca Municipal) que os responsáveis nos ouçam, falem connosco e cumpram as promessas que nos são feitas sempre com grande espavento em épocas eleitorais. Nós já não somos criancinhas sempre à espera de um chupa. Tratem-nos como gente que cresceu ao serviço gratuito e voluntário da leitura, da cultura e das populações. Reconheçam de vez o nosso trabalho ou então tratem de provar que o que fazemos não valeu nem vale a pena…


Sara Oliveira