segunda-feira, 6 de abril de 2009

Arte poética





Rosa Alice Branco
in
www.quasi.com.pt



Gostaria de começar com uma pergunta
ou então com o simples facto
das rosas que daqui se vêem
entrarem no poema.

O que é então o poema?
Um tecido de orifícios por onde entra o corpo
sentado à mesa e o modo
como as rosas me espreitam da janela?

Lá fora um jardineiro trabalha,
uma criança corre, uma gota de orvalho
acaba de evaporar-se e a humidade do ar
não entra no poema.

Amanhã estará murcha aquela rosa:
poderá escolher o epitáfio, a mão que a sepulte
e depois entrar num canteiro do poema,
enquanto um botão abre em verso livre
lá fora onde pulsa o rumor do dia.

O que são as rosas dentro e fora
do poema? Onde estou eu no verso em que
a criança se atirou ao chão cansada de correr?
E são horas do almoço do jardineiro!
Como se fosse indiferente a gota de orvalho
ter ou não entrado no poema!

Rosa Alice Branco, «Da Alma e dos Espíritos Animais» in
Soletrar o Dia – Obra Poética, V. N. Famalicão, Quasi Edições, 2002