quarta-feira, 29 de abril de 2009

Era a primeira rosa do céu....






Picasso,
Le Miroir,
1932


in
www.paris-art.com





Era a primeira rosa do céu que se assomava
à janela de uma nuvem e espargia o pólen
azul na nascente do dia
As idades cansadas baixavam ao seu leito
de obscuras plumas e de amargos óleos
A juventude da água em fugidios lampejos
inaugurava as espáduas da confiança indolente
e a vida reunia e dispersava os seus pássaros
que voavam sobre os sonhos e sobre o fogo do desejo
A terra dissolvia os seus fantasmas brancos
nas fornalhas verdes do seu violento estio
O mundo revelava as suas torres de obsidiana
com as suas chamas de olhos e as suas línguas de veludo
Um rosto tatuado flutuava sobre as águas
como a cabeça de uma pantera vermelha
Uma rapariga nua dormia sobre o ombro de uma duna
e a espuma inundava-a sem que ela despertasse
Um velho escrevia um poema sobre um muro
para identificar a água pura do dia

António Ramos Rosa, «Lâmpadas com Alguns Insectos» in
Antologia Poética, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001