domingo, 17 de maio de 2009

A estrela da manhã



















O homem só levanta-se quando o mar ainda está escuro
e as estrelas vacilam. Uma tepidez de hálito
eleva-se da margem, onde o mar tem o seu leito
e adoça a respiração. Esta é a hora em que nada
pode acontecer. Até o cachimbo entre os dentes
pende apagado. Nocturno é o marulhar tranquilo.
O homem só acendeu já um grande fogo de ramos
e vê-o avermelhar o terreno. Também o mar
dali a pouco será como o fogo, flamejante.

Não há coisa mais amarga do que a aurora dum dia
em que nada acontecerá. Não há coisa mais amarga

do que a inutilidade.
Pende cansada no céu
uma estrela esverdeada, surpreendida pela madrugada.
Vê o mar ainda escuro e a mancha de fogo
a que o homem, para fazer alguma coisa, se aquece;
vê e cai de sono entre as pardas montanhas
onde há um leito de neve. A lentidão da hora
não tem piedade de quem já nada espera.

Vale a pena que o sol se levante do mar
e o longo dia comece? Amanhã
voltará a cálida aurora com a diáfana luz
e será como ontem e nada mais acontecerá.
O homem só apenas gostaria de dormir.
Quando a última estrela se apaga no céu,
o homem prepara lentamente o cachimbo e acende-o.

Cesare Pavese, Trabalhar Cansa,
Lisboa, Cotovia, 1997

As frases do poema de Pavese, autor também de Ofício de Viver, que tomei a liberdade de colocar a negro, são para mim orientações de vida: obsessões permanentes.

Recomenda-se a leitura do poema seguinte da autoria de Vasco Graça Moura.