terça-feira, 5 de maio de 2009

Quando digo tu a um amigo desconhecido




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quando digo tu a um amigo desconhecido
que a vida tinha feito andar até hoje noutros lados
e a vida levará amanhã para outros lados

subitamente um fiapo de domingo
com alvoroço põe-se a brilhar nas pedras
lambe a janela escorre-me do peito

as rugas caem das paredes gordurosas
uma lufada de certezas paira e despe
a lividez dos braços com olheiras

e então é como se o calor de dezenas de outras mãos
de todos que o tempo levou que a distância levou que a morte levou
ali estivesse outra vez e um sorriso

e um sorriso abertamente dissonante na tormenta
envolvesse o próprio mundo enquanto os relógios um minuto param
numa harmonia futura já no entanto viva

Mário DionísioPoesia Incompleta,
Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1966