quarta-feira, 6 de maio de 2009

Milagre





Púcaros Bar
em Miragaia,
terra natal de
Pedro Homem de Mello
(foto de Anaas)




O meu futuro fora aquele instante!
(Leve, subtil, a flor buliu na haste...)
O meu futuro fora aquele instante.
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Com musgo, o pinheiral esteve à espera...
E a flor (tão perto e azul) buliu na haste!
O Inverno do arrabalde? - Primavera!
Com musgo, o pinheiral esteve à espera...
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Então, o olhar da noite fez-se baço;
E a flor, fria talvez, buliu na haste...
- Desertos, lagos, pântanos, cansaço...
O olhar da noite vítrea fez-se baço!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Prazer? Vício? Prisão? Nódoa? Vergonha?
Estrume sob a flor da minha haste...
Prazer? Vício? Prisão? Nódoa? Verginha?
Poesia indomável e medonha!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Sangrou demais o meu pecado. Basta!
Buliu demais a flor, dobrando a haste...
Sangrou demais o meu pecado. Basta!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

O vento varreu toda a noite, ardida
E, com o vento, a flor buliu na haste...
Veio chuva depois. Destino, vida...
E o vento varreu toda a noite ardida!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Os homens não me viram e passaram.
E a flor, distante já, buliu na haste...
Os homens não me viram e passaram...
Ó mãos cegas que, um dia, me salvaram!
Eu marquei-te uma hora... E tu, faltaste!

Pedro Homem de Mello, Bodas Vermelhas,
Porto, Porto Editora, 1979, 3.ª ed.

N. no Porto, há 105 anos (6 de Setembro de 1904) e f. em 5 de Março de 1984. Poeta, professor, folclorista muito ligado ao povo, monárquico, católico, conservador, a sua terra de adopção foi Afife (Viana do Castelo), onde viveu no Convento de Cabanas durante anos e escreveu grande parte da sua obra, versando os costumes daquela terra e da Serra de Agra.

O livro de onde foi retirado este poema tem prefácio de Júlio Dantas, que nos convida à leitura deste poeta nestes termos:

«Há tempos, a Sociedade das Nações ocupou-se da poesia. (...) Chegou-se à conclusão de que  'a poesia não existe enquanto não for recitada, porque a poesia é música e a música é para se ouvir'».

Hoje mesmo, reconhecendo o papel desempenhado por Homem de Mello na divulgação da Poesia e do Folclore Nacional, irei ler alguns textos seus no Púcaros Bar, ali nas arcadas de Miragaia, onde ele nasceu.
E tentarei, de alguma forma, fazer viver os versos deste talentoso autor de "Povo que lavas no rio", tão injustamente esquecido.