quarta-feira, 20 de maio de 2009

Poema XLIV de "O Guardador de Rebanhos"














FotOliveira




Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a natureza lá fora.
O meu quarto é uma cousa escura com
paredes vagamente brancas.

Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima
da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...

Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XLIV"