sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ninhos












Foto A.M.




Dias antes de morrer, acordou com vontade de ir aos ninhos.
Tentou levantar-se da cama. Que queria trepar às árvores.
Que sabia de um ninho de melro abandonado.
Disseram-lhe que a primavera já tinha passado,
que as árvores estavam escorregadias,
que já não havia árvores,
que os pássaros já não sabiam fazer ninhos...
Mas ele continuava a insistir.
Entrou depois num longo delírio.
De vez em quando pronunciava palavras
como musgo cor-de-rosa, lama seca,
palavras que se foram tornando cada vez mais indistintas.
Por último, parece que chilreava.

Jorge de Sousa Braga, O Poeta Nu,
Lisboa, Fenda, 1999, 2.ª ed.