segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Na velhice (fragmento)














Já tenho as fontes embranquecidas,
já, sobre a fronte, cabelos níveos.
Já não há jovens na minha vida.
E que é dos dentes que outrora tive?

Mesmo a doçura de inda estar vivo
pouco me resta para fruí-la.
Só com lamentos é que consigo
saudar as margens da «outra» vida...

Como é terrível aquele abismo!
Que triste a estrada que lá se infiltra!
Nunca mais pode voltar ao cimo
quem vai lançado por essa pista.

Anacreonte,
tradução de David Mourão-Ferreira in
Vozes da Poesia Europeia I - Colóquio Letras n.º 163,
Fundação Calouste Gulbenkian, Janeiro-Abril 2003

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Poeta grego de dialecto jónico do séc. VI a.C.

Viveu na corte de Polícrates, tirano de Samos. As suas composições festivas, que celebram os prazeres da vida, da arte e do amor, chegaram até nós apenas em fragmentos, como acontece com este sobre o outono da vida. Viveu até aos 85 anos, altura em que, segundo li ainda muito jovem, entrou no rol das vítimas de morte "macaca": terá morrido engasgado com uma grainha de uva...

Entre outras mortes idênticas, a tradição refere também a do dramaturgo Ésquilo, que terá sucumbido à queda de uma tartaruga sobre a sua cabeça calva, provocada por uma águia, que tendo-a confundido com um penedo, pretendia, assim, apenas quebrar-lhe a carapaça.

Recordo-me ainda vagamente da história de um outro grego célebre (seria Aristófanes?), que terá perecido de riso, ao dar com o seu burro a comer-lhe uma ceira de figos que tinha guardado para o jantar...