quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Outono inglês







Foto
Anthero
Monteiro





Não para ver a luz que dos céus desce,
incerta nestes campos,
mas para ver a luz que, do escuro centro da terra,
às folhas sobe e as abrasa.
Não saí para ver a luz do céu
mas a luz que das árvores nasce.
Hoje o que os meus olhos vêem
não é uma cor que a cada instante sua beleza muda
e agora é tocha de ouro,
voraz incêndio, fumarada de cobre,
onda mansa de cinza.
Hoje o que os meus olhos vêem
é a profunda mudança da vida na morte.
Este esplendor tranquilo
é o acabamento digno de uma perfeita criação,
ainda mais se se descobre
a consumpção dolorosa dos homens,
apenas semelhantes em sua funda solidão,
mas com sofrimento e sem beleza.

O homem bem queria que sua morte
não carecesse de certeza alguma
e assim reflectiria em seu sorriso,
como o campo esta tarde,
uma tranquila espera.
------------------------- (Beleza dorminte
que imperceptível o mudo peito agita
para se erguer depois com maior vida;
como na primavera as árvores do campo.)
Como na primavera...?
Não é o que vejo, então, perturbação da morte,
mas o sonhar da árvore, que despe
sua fronte de folhagem,
e assim cristalina penetra a funda noite
que lhe dará mais vida.

É lei fatal do mundo
que toda a vida acabe em podridão,
e a árvore morrerá, sem nenhum esplendor,
pois o raio, o machado ou a velhice
hão-de abatê-la para sempre.
Na simulada morte que contemplo
tudo é beleza:
o estertor fatigado das aves,
a gritaria de uns cães velhos, a água
deste rio que não corre,
meu coração, mais pobre agora do que nunca,
porque mais ama a vida.

As asas gastas da noite vão caindo
sobre este vasto campo de cinza:
cheira a carniça humana.
A luz tornou-se negra, a terra
é pó somente, chega um vento
muito frio.
Se fosse morte verdadeira a deste bosque de ouro
só haveria dor
se um homem contemplasse a queda.
E chorei a perda do mundo
ao sentir em meus ombros e nos ramos
do bosque duradouro
o peso de uma mesma escuridão.

Francisco Brines, Ensaio de uma Despedida - Antologia (1960-86),
Lisboa, Assírio & Alvim, 1987 (selecção e tradução de José Bento)
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N. em Oliva - Valência, Espanha, em 1932. É licenciado em Direito e Filosofia. Foi leitor de espanhol na Universidade de Oxford de 1963 a 1965. Reside em Madrid e Valência, com estadas prolongadas no campo, em Elca - Oliva. Ganhou, em 2007, o IV Prémio Federico García Lorca, no valor de 50 000 euros.