segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Outono: Square Marie-Louise
Square Marie-Louise,
em Bruxelas
(Foto in
brusselspictures.com)
Cargas de outono, folhas podres, saudade,
O lago onde lavei o exílio, o lodo doce
E os rijos passos da menina que não há-de
Ser minha (a loira, a madurinha) - e antes que fosse!
A dourada expressão de tudo, a cinza de tudo,
E ainda o que nem ouro nem fogo resolvem:
Como certa mulher toda embainhada em veludo
(Espada de honra), e as tardes, as ilhas que não volvem...
Terei lepra comigo, usagre, sarna,
Para que se não cole à minha vida uma folha?
Ou será o meu osso, que lentamente se descarna,
Único ramo de outono para que ninguém olha?
Vão, no lago do exílio, aqueles patos grasnando,
Os patos que nenhuma filha de rei guardou:
Pelo contrário - eles é que estão guardando
A minha cara, que em seu lago se espelhou.
Eh, patos! ah, folhas podres, cheiro a húmus,
Desejo vivo, recalcado em literatura,
E os erros, as pistas, os rumos
Perdidos! terra estrangeira dura!
Oh meus dias, buscai vosso estrato profundo
Onde cada um de vós é como os bichos que têm
Ânus, pulmões e boca juntos,
Dos outros sendo um só ao mesmo tempo pai e mãe!
Dias que eu tive, bichos defuntos,
Fazei de Ela o vosso caldo de cultura:
De Ela - e nesta amargura -
Cria-a bem!
Que entretanto este exílio, o lago onde apodreço
Como uma bengala que se não pôde tirar,
Me encha de tempo, me dê preço
E paciência, para acabar.
Que me engorde,
Me desvaneça em mim e nestas nuvens do Brabante
Em que me envolvo como um Lorde
(Porque eu às vezes sou pedante),
Mas me adelgace e apure todo
Com dores e pontas de vergastadas,
Levando a minha carne até ponto de lodo
E as minhas vergonhas arrastadas.
Neste desterro da Mulher,
Dos quatro Filhos e da Casinha,
Nosso Senhor assim o quer...
Seja pelas vides da sua vinha!
Vitorino Nemésio, Antologia Poética,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1988