terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pobre tísica




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Quando ela passa à minha porta,
Magra, lívida, quase morta,
E vai até à beira-mar,
Lábios brancos, olhos pisados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração põe-se a chorar.

Perpassa leve como a folha,
E, suspirando, às vezes, olha
Para as gaivotas, para o Ar:
E, assim, as suas pupilas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as asas para voar!

Veste um hábito cor de leite,
Sainha lisa, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vais casar...»

Triste, acompanha-a um Terra Nova
Que, dentro em pouco, à fria cova
A irá de vez acompanhar...
O chão desnuda com cautela,
Que Boy conhece o estado dela:
Quando ela tosse, põe-se a uivar!

E, assim, sozinha com a aia,
Ao sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bebés, que é o seu lugar.
E o Oceano, trémulo avozinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vai ter com ela a conversar.

Falam de sonhos, de anjos, e ele
Fala de amor, fala daquele
Que tanto e tanto a faz penar...
E o coração parte-se todo,
Quando a sorrir, com tão bom modo,
O Mar lhe diz: «Há-de sarar...»

Sarar? Misérrima esperança!
Padres! ungi essa criança,
Podeis sua alma encomendar:
Corpinho de anjo, casto e inerme,
Vai ser amada pelo Verme,
Os bichos vão-na desfrutar.

Sarar? Da cor dos alvos linhos,
Parecem fusos seus dedinhos,
Seu corpo é roca de fiar...
E, ao ouvir-lhe a tosse seca e fina,
Eu julgo ouvir numa oficina
Tábuas do seu caixão pregar!

Sarar? Magrita como o junco,
O seu nariz (que é grego e adunco)
Começa aos poucos de afilar,
Seus olhos lançam ígneas chamas:
Ó pobre mãe, que tanto a amas,
Cautela! O Outono está a chegar...

Leça, 1889
António Nobre, Só
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N. no Porto em 1887 e também ele morreu tísico, na Foz do Douro, aos 32 anos, em 1900.
O foi dos primeiros livros portugueses de poesia que eu terei lido.
Lembro-me que, um dia, teria eu 18 anos, fui de propósito à Biblioteca Municipal do Porto, para o conhecer. Como não havia nenhum exemplar disponível nesse dia, requisitei as Despedidas, do mesmo autor, e li-o de uma assentada. O ficou para outro dia.
Mas acho que o primeiro livro de poesia que li foi em espanhol: Elevación, de Amado Nervo, um poeta mexicano. Aliás, por essa altura, terei devorado também em espanhol, o D. Quixote de Cervantes.
Meu pai foi emigrante na Venezuela e, quando vinha a Potugal, trazia sempre livros em castelhano.
Acho que o primeiro livro que comprei em português, mas de autor espanhol (coincidências...), foi Platero e Eu, de Juan Ramón Jiménez, Nobel de 1956. A seguir, poderemos ler um poeta desta poeta andaluz, também sobre o Outono.