quarta-feira, 11 de março de 2009
A criação da Lua
Foto in
earthobservatory.nasa.gov
O homem cortou o pescoço e deixou a cabeça.
Os outros foram buscá-la.
Mal chegaram, meteram a cabeça num saco.
Pouco depois, a cabeça caiu ao chão.
Voltaram a meter a cabeça no saco.
Pouco depois, a cabeça voltou a cair.
Forraram o saco com um saco mais grosso.
Mas a cabeça voltou a cair.
Convém dizer-se que levavam a cabeça para a mostrar aos outros.
Já não voltaram a meter a cabeça no saco.
Deixaram-na no meio do caminho.
Foram-se embora.
A cabeça foi atrás deles a rebolar.
Atravessaram o rio.
Mas a cabeça seguiu-os.
Subiram a um bacoparizeiro carregado de frutos,
para ver se a cabeça lhes passava à frente.
A cabeça parou debaixo da árvore
e pediu-lhes frutos.
Os homens abanaram a árvore.
A cabeça apanhou os frutos.
Depois pediu mais.
Os homens abanaram a árvore
para que os frutos caíssem na água.
A cabeça disse que não podia ir lá buscá-los.
Enão, os homens atiraram os frutos para longe, para afastarem
a cabeça e poderem ir-se embora.
Enquanto a cabeça ia buscar os frutos,
os homens desceram da árvore e partiram.
A cabeça voltou, olhou para a árvore,
não viu ninguém
e continuou a rolar.
Os homens tinham ficado à espera
para ver se a cabeça ia atrás deles.
Viram a cabeça chegar rolando.
Correrm.
Chegaram às cabanas, disseram aos outros que a cabeça
estava a chegar e que tinham de fechar a porta.
As portas das cabanas fecharam-se.
A cabeça chegou e mandou abrir as portas.
Os donos das cabanas não as abriram porque tinham medo.
Então a cabeça pôs-se a pensar no que havia de fazer.
Se se transformasse em água, bebê-la-iam.
Se se transformasse em terra, pisá-la-iam.
Se se transformasse em casa, os homens habitá-la-iam.
Se se transformasse em boi, matá-la-iam e depois comê-la-iam.
Se se transformasse em vaca, mungi-la-iam.
Se se transformasse em farinha, comê-la-iam.
Se se transformasse em feijão, cozê-la-iam.
Se se transformasse em sol, quando os homens tivessem frio, teria de os aquecer.
Se se transformasse em chuva, a erva cresceria e os animais pastá-la-iam.
Então pensou e disse: «Vou ser lua.»
Gritou: «Abri as portas, quero levar as minhas coisas.»
Eles não abriram.
A cabeça chorou. Gritou: «Dai-me ao menos
os meus dois novelos de linha.»
Atiraram-lhe os dois novelos por um buraco.
A cabeça pegou neles e atirou-os para o céu.
Ainda pediu para lhe atirarem uma varinha
para enrolar o fio e por ele poder subir.
Então disse: «Já posso subir, parto para o céu.»
E começou a subir.
Os homens abriram logo as portas.
A cabeça c0ntinuava a subir.
Os homens gritaram: «Vais para o céu, cabeça?»
Ela não respondeu.
Ao chegar ao Sol, logo se
transformou em Lua.
À noitinha a Lua era branca, bonita.
E os homens ficaram espantados:
era a cabeça que se transformara em Lua.
Mito da Amazónia, Caxinauas, trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo