terça-feira, 17 de março de 2009
O eclipse
O senhor Henri olhava para o eclipse anunciado que ainda não começara.
Se os astros se atrasam, o que fará o resto – disse o senhor Henri.
O senhor Henri tinha trazido uns binóculos enormes.
…se os meus binóculos tivessem o comprimento que vai da terra ao sol, aí sim, eu veria as coisas mais próximas – disse o senhor Henri.
… em chinês existe uma única palavra para eclipse e para comer. O eclipse é uma coisa escura que come um astro.
… é uma bela imagem.
O senhor Henri, entretanto, pousou os binóculos e tirou da sua mochila uma garrafa de absinto.
Depois de beber umas boas goladas o senhor Henri disse: que belo eclipse! E bebeu mais umas goladas.
Deitado no chão à espera que algo acontecesse no céu o senhor Henri acabou por fechar os olhos e adormecer.
Quando acordou pegou na sua mochila e na sua garrafa de absinto e retirou-se.
Tive um eclipse privado, disse o senhor Henri para si próprio, satisfeitíssimo com os astros que conseguira ver no seu céu particular.
Um eclipse que só depende de mim, eis o que trago nesta garrafa – disse senhor Henri.
Gonçalo M. Tavares, O Senhor Henri,
Lisboa, Editorial Caminho, 2003