quinta-feira, 12 de março de 2009
Quando a lua vier tocar-me o rosto...
Foto in
www.nasa.gov/
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta
marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente
e o tempo apaga a marca dos teus passos
por sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas
crescendo por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste
e no meu leite crescem folhas sangue.
A velocidade do sangue é tu partiste.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia.
Agora a lua chega devagar e o mar é leito de tu teres partido,
uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos
por sobre o meu rosto.
A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações
de gotas do teu sangue
e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente.
A lua é uma seta.
Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
Esta noite vou erguer-me do meu leito
e quando a lua vier tocar-me o rosto
vou uivar como um lobo.
Vou clamar pelo teu sangue extinto.
Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos,
a tua língua solta.
O teu ventre, lua.
Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra
e a lua possa vir tocar-me o rosto.
Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência
faço um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido
e a marca dos teus passos ser a razão mágica
de a lua poder surgir de noite
e urtigas crescerem no meu leito.
E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe
o coração de alfinetes
para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.
Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro
para lhe ler nas entranhas a direcção
tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos
abertos de um pássaro esventrado.
Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito
e a lua é o colo de tu morreste para poderes enfim
tocar-me o rosto.
Ana Hatherly, in A. C. Silva & A. Budeno (orgs.), Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Rio de Janiero, Lacerda Editores, 1999
Agradecendo a colaboração ao poeta, diseur e amigo Luís Carvalho, o Luís Beirão do excelente blogue
"Pedaços de Alma":
http://pedacosdalma.blogspot.com/