segunda-feira, 16 de março de 2009

Remédio





Busto de João Penha em Braga.

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Oh ventura perdida, mal sonhada!
Quem dissera que tudo acabaria,
Como este meu charuto em cinza fria,
Em fumo que se esvai no obscuro nada!

Deixaste-me, julgando-te adorada
Pelo moço de estranha galhardia,
Que no aspecto e nos gestos reflectia
O Manfredo sombrio da balada.

Abalroando ao penetrar na barra,
Senti do ciúme a lacerante pua:
Quis ir-te em cima, erguida a cimitarra.

Mas foi-se-me depressa a ideia crua,
Graças a um vinho de espanhola parra
E à mudança benéfica da lua.

João Penha, Rimas,
Aveiro, Estante Editora, 1990.

João Penha nasceu junto da Praça Municipal de Braga, em 1838.
Matriculou-se em Teologia, mas acabaria por se formar em Direito em Coimbra.
Entretanto, fundou, em 1868, A Folha, aberta a todas as correntes literárias e aos nomes mais sonantes da literatura da época. A revista duraria 5 anos, mas ficou na história como o órgão dos parnasianos e realistas. O poeta colaborou ainda em muitos outros jornais e revistas.
Apesar de um apelo em seu favor feito pelo Diário de Nortícias e de uma pequena pensão que lhe foi atribuída pelo Parlamento, João Penha morreu na miséria em 1917.
Os seus poemas fazem eco de uma vida aparentemente estroina que terá levado, mas é um autor extremamente importante, com influência em muitos outros poetas até da actualidade, mesmo que eles não dêem por isso. É que João Penha, como se vê neste poema, não se compadece com o tom piegas de certa poesia, acabando sempre por se rir às escâncaras na cara dos sisudos e dos românticos remanescentes.
O jornalista e escritor Francisco Duarte Mangas, natural do mesmo distrito de Braga, coligiu os melhores textos do poeta em duas antologias.

Nota: O título do poema é da minha responsabilidade.