segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ao coração num domingo














Eu te agradeço, coração,
a diligência, porque te esfalfas
sem adulações, sem prémios,
numa inata urgência.

Tens setenta merecimentos por minuto.
Cada tua contracção
é como impulso a um barco
no mar alto
em rota de circum-navegação.

Eu te agradeço, coração,
por uma vez e outra ainda
me ires retirando de um todo
mesmo no sonho separada.

E zelas por que não sonhe um voo fundo
um voo tão fundo
que torne desnecessárias as asas.

Eu te agradeço, coração,
por mais uma vez ter acordado,
e por, embora domingo,
dia de descanso,
sob as costelas
ir o frenesim normal das sextas-feiras.

Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia,
Lisboa, Relógio D´Água, 1998