sábado, 9 de janeiro de 2010

Estilo Sábado

















Colho as nozes caducas do Sábado. Os alcatruzes
calam-se para ouvir um rumor de ervas e de canaviais.
a enumeração de linhagens afogadas na água estagnada
do ribeiro. Um bater de porta cai com o sol
da tarde - e oculta-me o segredo das velhas arcas onde
apodrecem lençóis, o calor húmido dos sótãos onde
onde um anjo vomita uma negra teia de sílabas.

Conheço a obscura vibração desses frutos, a ressonância
da sua queda nas paredes dos poços. O verão dilata-os, dá-
lhes uma alma nostálgica de terra, e a noite surpreende-os
num voo imutável, batendo invisíveis asas num céu
sem lua - estrelas fixas e mudas do ocaso.

Um hálito de nuvens empurra-me para agosto.


Nuno Júdice, Poesia Reunida (1967 – 2000).
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000