quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Promessas para o novo ano







Anthero Monteiro
(Foto de Anaas)









desponta um novo ano
e tu pedes-me que prometa ser mais optimista
talvez porque o cavalo da morte
galopa sempre sobre os meus versos
mas eu escrevo-os sentado à janela
por onde a uma centena de passos
me espreitam as cruzes do cemitério
e as cúpulas dos mausoléus
e é natural que sorvendo da seiva dos ciprestes
os meus poemas se deixem penetrar de soturnidade
e sejam habitados por alguns espectros
afinal não sou eu quem pensa na morte
é a morte que não me larga
e está sempre a olhar para mim
-------
optimismo é uma palavra simpática
mas eu prefiro a palavra lucidez
o optimista acredita sem mais que o sol vai doirar o dia
o lúcido consulta previamente o boletim meteorológico
o optimista confia no futuro
e inventa um deus para escorar essa confiança
o lúcido avança pela estrada do futuro dentro
e abre ao caminhar o próprio caminho
como diz o sábio poeta
mas sabe que a estrada tem uma berma e depois um abismo
e que a mão de deus não o sustenta na queda
essa confiança filosófica dos optimistas
de que o bem prevalece sempre sobre o mal
não passa de um miopia da alma

certamente porém já viste lágrimas
a sulcar-me os álveos do rosto assustado
porque o grande medo da vida é saber
que o Amor esplende e logo se apaga como um fogo-fátuo
e que logo que o A maiúsculo do Amor é consumido
aí começa a verdadeira e inexorável morte
e se o tempo do Amor é a nossa verdadeira longevidade
só nos resta a promessa de amar profundamente
aproveitando todos os poucos instantes
até ao instante da perda e das lágrimas
-------
Anthero Monteiro (inédito)
S. Paio de Oleiros, 3 de Janeiro 2010
_____________

Para além dos textos obedientes ao tema mensal, meus ou de outros autores, incluirei nesta PRAÇA, a partir deste ano, outros poemas da minha autoria, mesmo que não respeitem esse tema. Surgirão numa cor diferente para não se confundirem com os demais.