terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Eternidade
Foto Anaas
bem sei que não somos eternos minha eterna esperança
se fôssemos eternos não seria tomado pela urgência do amor
pelo instante desejo de entrar no teu corpo pela porta da tua alma
ou de entrar na tua alma pela porta do teu corpo
(essa urgência tudo confunde e nem há tempo para discernir)
se fôssemos eternos o meu cérebro não seria esta confusão de labirintos
e provavelmente estaria condenado a nem sequer enlouquecer
é porque não sou eterno que transporto em mim uma rede
de estradas e de túneis atulhados de aceleradores
ansiosos por chegarem ao outro lado de nenhures
se fôssemos eternos não respiraria fundo tantas vezes
para recuperar e sorver em haustos a vida
que escapou como um pássaro inútil
não procuraria eternidades em cada encontro
em cada dar e receber as mãos na firmeza de cada amplexo
nas três pétalas de um olá nas cinco chagas de um adeus
se fôssemos eternos não haveria em nós a premência da beleza
e em vez de uma rosa qualquer cardo seria a perfeição
não precisaríamos de emprego de médico de aspirina
de fonte ou de plantação porque tudo estaria assegurado
pela própria eternidade incólume a todos os males
mas os males seriam equiparados aos bens
e não precisaríamos da inveja nem do ódio
mas prescindiríamos também do desejo
e da carícia e da ternura e do amor
e deste dar-se e receber eternas promessas
se fôssemos eternos veríamos que a eternidade
seria um céu uniformemente azul
sem o sulco da quilha de uma nuvem
uma extensa necrópole de campas rasas
um imenso glaciar resvalando para o nada
e se o beneplácito dos deuses me obrigasse
agora à eternidade eu sei que choraria pesaroso
aquele instante efémero e eterno
em que os teus olhos vieram poisar nos meus
e prometer-lhes mais que a eternidade
Anthero Monteiro (inédito)
S. Paio de Oleiros, 26 Janeiro 2010
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(Texto extra-tema do mês)