segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Dia dos namorados





















Les Amoureux - Renoir


Vingo com versos os dias em que a tristeza me não deixa fazer nada
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a própria vida
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo com versos o vento que vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder ter-te
e sei que jamais saberei a verdade que seria desconhecer teu rosto
primeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas ciúmes
que hoje todas te retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.

Paulo José Miranda, de A Arma do Rosto
in
Jorge Reis-Sá (selecção e organização), Anos 90 e Agora - Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa, V.N. Famalicão, Edições Quasi, 2001

N. em 1965. Autor de A Voz Que Nos Trai (1997) e A Arma do Rosto (1998).