quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

História de um amor


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Para que eu pudesse amar-te
os espanhóis tiveram que conquistar a América
e os meus avós
fugiram de Génova num barco de carga.

Para que eu pudesse amar-te
Marx teve que escrever O Capital
e Neruda, a Ode a Leninegrado.

Para que eu pudesse amar-te
houve em Espanha uma guerra civil
e Lorca morreu assassinado
depois de ter viajado até Nova Iorque.

Para que eu pudesse amar-te
Virgínia Woolf teve que escrever Orlando
e Charles Darwin
viajou até ao Rio de la Plata.

Para que eu pudesse amar-te
Catulo enamorou-se de Lésbia
e Romeu, de Julieta,
Ingrid Bergman filmou Strômboli
e Pasolini, os Cem Dias de Saló.

Para que eu pudesse amar-te
Lluís Llach teve que cantar Els Segadors
e Mulva, os poemas de Bertolt Brecht.

Para que eu pudesse amar-te
alguém teve que plantar uma cerejeira
no quintal da tua casa
e Garibáldi pelejar em Montevideu.

Para que eu pudesse amar-te
as crisálidas transformaram-se em borboletas
e os generais tomaram o poder.

Para que eu pudesse amar-te
tive que fugir de barco da cidade onde nasci
e tu resistir a Franco.

Para que nos amássemos, enfim,
aconteceram todas as coisas deste mundo

e desde o momento em que deixámos de amar-nos
existe apenas uma grande desordem.

Cristina Peri Rossi, Poemas de Amor y Desamor,
Barcelona, Plaza & Janés, 1998
Tradução de Anthero Monteiro

Nasceu em Montevideu - Uruguai, em 1941, mas teve que exilar-se na Europa na sequência do golpe militar no seu país natal, tendo adquirido a nacionalidade espanhola em 1974. Licenciou-se em Literatura Comparada, disciplina que leccionou durante anos. Personalidade emblemática dos anos sessenta, distinguiu-se pelo seu espírito de inovação, rebeldia e transgressão. Voz prestigiada das letras hispânicas, viu a sua obra ser traduzida em várias línguas.