quarta-feira, 24 de junho de 2009

Nova balada do rei de Tule










Imagem in
alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/






Num país nada vizinho...
Em Tule, até mui distante,
Houve outrora um rei farsante,
Um rei amigo do vinho.

Quando a sua amante fiel
Mimosa e cheia de graça,
Morreu, deixou-lhe uma taça,
Que semelhava um tonel.

Era tamanha a grandeza
Da taça que nada iguala.
- Ficava sempre, ao esgotá-la,
El-rei debaixo da mesa.

Quase sempre ao lusco-fusco,
De noite, até horas mortas,
Folgava, as pernas já tortas,
Este rei velho e patusco!

E noite d'agreste vento,
Na sua mais alta torre,
Pensando em que tudo morre,
Tratou do seu testamento.

A sua amizade cega
Legava a todos dinheiro.
E a seu filho e seu herdeiro
Seu reino, seu povo... e a adega.

Da sua amizade em prova,
A todos dava uma graça.
Só aquela enorme taça
Levava El-Rei para a cova!

Um dia, os altos barões,
Fez juntar, para uma orgia,
Numa sala onde curtia
As suas indigestões.

E ali, depois de libar...
Passados curtos momentos,
Começou a ver, aos ventos,
Os seus castelos dançar.

Assoma, trocando o pé,
De taça em punho, à janela,
Mas nisto, tropeça... e ela
Vai levada da maré.

E afunda-se... mas tal revés
Tomba o rei morto de mágoa.
- Era esta a primeira vez
Que a taça se enchia d'água!

Gomes Leal, Claridades do Sul,
Mem Martins, Publicações Europa-América, 1999

Ver outras versões da célebre balada de Goethe, imediatamente antes e depois deste post.